RAPHAEL LEMKIM: ALÉM DO IMPOSSÍVEL
UM CRIME SEM NOME
São Paulo, julho 2011
A
IMPORTÂNCIA DA OBRA DE RAPHAEL LEMKIN PARA A ELABORAÇÃO DA CONVENÇÃO SOBRE
GENOCÍDIO
Por CAMILA SOARES LIPPI
Introdução
A Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, de
1948, tem como objetivos obrigar seus Estados-partes a criminalizar o
genocídio, a punir os seus autores, e a adotar sistemas de cooperação judicial
para a repressão desse crime (CASSESE, 2008, p. 127-128).
Segundo esse tratado, seja o crime cometido em tempos de paz ou de
guerra, o indivíduo que o cometeu deve ser julgado e punido. O tratado
atualmente faz parte do direito consuetudinário internacional (OBOTE-ODORA,
1999), ou seja, como prática geral reiterada ao longo do tempo, e aceita como
sendo direito, o que a torna obrigatória inclusive para Estados que não a
tenham ratificado.
O objetivo deste artigo é analisar a importância da obra de
Raphael Lemkin para a elaboração deste tratado, um dos mais importantes em
termos de proteção internacional dos direitos humanos.
A obra de Lemkin
A Convenção de 1948 sobre Genocídio provavelmente não existiria
hoje se não fosse pelo jurista polonês Raphael Lemkin. Judeu, Lemkin perdeu
vários membros de sua família, e teve de se mudar para os Estados Unidos como
refugiado após a Alemanha invadir a Polônia, e lá passou a lecionar na Duke
University e aprofundou seus estudos, que já havia começado a desenvolver
enquanto estudante quando ainda era jovem, sobre algo ainda sem nome e cujo
termo ele viria a cunhar depois: o genocídio (POWER, 2007, 14-29).
Na Conferência para a Unificação do Direito Penal de
Madri, em 1933, quando trabalhava como Promotor em seu país, Lemkin apresentou
à comunidade jurídica internacional os conceitos de dois novos crimes
internacionais: barbárie (barbarism)
e vandalismo (vandalism).
Barbárie seriam atos de extermínio dirigidos contra
coletivos étnicos, religiosos ou sociais, por qualquer motivo. Dentre os elementos
desse crime, estariam os seguintes: emprego de violência cruel; ação
sistemática e organizada; a ação não se dirige contra pessoas determinadas, mas
contra uma coletividade; a coletividade atacada está indefesa; e a intenção com
que se realiza pode consistir em intimidação dessa população (LEMKIN, 1933).
Já o vandalismo seria um ataque visando uma
coletividade que poderia assumir também a forma da destruição sistemática e
organizada da arte e da herança cultural nas quais as características únicas daquela
coletividade são reveladas. O autor do crime não estaria somente destruindo a
obra, mas o símbolo da cultura de uma determinada coletividade (LEMKIN, 1933).
Porém, as idéias de Lemkin não foram acolhidas nessa Conferência
de 1993. Ele enfrentou diversas dificuldades nesse sentido. Em primeiro lugar,
o então Ministro das Relações Exteriores da Polônia, Joseph Beck, alinhado a
Hitler, se recusou a permitir que Lemkin viajasse para Madri para defender suas
idéias pessoalmente.
O trabalho de Lemkin teve que ser lido em voz alta por
terceiros em sua ausência. Em segundo lugar, Lemkin não conseguiu muitos
aliados que defendessem suas propostas. No período entre guerras na Europa,
economicamente deteriorada devido à crise de 1929, e com Estados isolacionistas
e nacionalistas.
Os Estados, no âmbito da Liga das Nações, falavam em
"segurança coletiva", mas nesse conceito, não consideravam que estava
incluída a segurança dentro do
Estado. Os juristas presentes argumentavam que era algo que não acontecia com
freqüência, não merecendo ser tipificado.
Os representantes alemães chegaram a se levantar em
protesto à sua apresentação. Os conceitos expostos por ele haviam sido
fortemente influenciados pelo massacre de armênios perpetrado pelos turcos, e
pelo assassinato de judeus na Polônia em pogroms.
Então, em seu país natal, ele foi acusado de tentar
melhorar a situação dos judeus na Polônia com sua proposta. O Ministro das
Relações Exteriores do país o culpou por ter insultado os aliados alemães.
Assim, logo após a Conferência, o governo anti-semita polonês o demitiu do
cargo de promotor público adjunto, pois Lemkin se recusava a refrear as
críticas que fazia em relação a Hitler (PEREIRA JÚNIOR, 2010, p. 78; POWER,
2007, p. 22).
Um discurso proferido por Churchill em 1941 teria
ressoado em Lemkin, quando este já se encontrava refugiado nos Estados Unidos,
de modo a levá-lo a procurar uma nova palavra, na qual pudesse aperfeiçoar os
conceitos que havia apresentado em Madri, além de agrupar todos os aspectos da
proteção do grupo vitimado, bem como as atuações sistemáticas que os
atingiriam, tomando como exemplo aquelas perpetradas pelos nazistas com fim de
extermínio em massa (PEREIRA JÚNIOR, 2010, p. 79).
"We are in the presence
of a crime without a name" (CHURCHIL, 1941).
Assim, diante da impossibilidade de encontrar um termo
mais preciso, Lemkin cunhou o termo "genocídio", em obra seminal de
1944, denominada Axis
Rule in Occupied Europe. Isso ocorreu no final da Segunda Guerra Mundial,
quando o mundo se encontrava chocado perante os acontecimentos na Alemanha
nazista.
Lemkin criou uma palavra que tinha o prefixo grego genos (que
significa raça, ou tribo) com o sufixo de origem latina cídio (em inglês, cide), que deriva do
vocábulo latino caedere,
que significa matar.
Ele caracterizou o delito de genocídio como uma velha prática que
estava em sua etapa de desenvolvimento moderno, constituída por um plano
coordenado que busca a destruição das bases fundamentais da vida dos grupos
atacados, destruição essa que implica usualmente a desintegração das
instituições políticas e sociais, da cultura do povo, de sua linguagem, de
sua religião.
A destruição do grupo seria o objetivo principal desse
crime. Os atos seriam sempre direcionados aos grupos, e aos indivíduos que são
selecionados por fazerem parte desses grupos (LEMKIN, 1944).
...
Fonte: Anais do XXVI Simpósio Nacional de História –
ANPUH • São Paulo, julho 2011
Recomendo a leitura integral do excepcional texto que
é acessado através do link:
Ainda...
A Convenção estabeleceu o "genocídio" como crime de
caráter internacional, e as nações signatárias da mesma comprometeram-se a
"efetivar ações para evitá-lo e puní-lo", definindo-o assim:
Por genocídio entende-se quaisquer dos atos abaixo
relacionados, cometidos com a intenção de destruir, total ou parcialmente, um
grupo nacional, étnico, racial, ou religioso, tais como:
(a) Assassinato de membros do grupo;
(b) Causar danos à integridade física ou mental de
membros do grupo;
(c) Impor deliberadamente ao grupo condições de vida que possam
causar sua destruição física total ou parcial;
(d) Impor medidas que impeçam a reprodução física dos membros do
grupo;
(e) Transferir à força crianças de um grupo para outro.
Do texto, extraímos a informação da resistência
oferecida pelos aliados para ratificar as propostas de Lemkim, especialmente da
França, sempre a França, e dos Estados Unidos, cuja adesão, com ressalvas,
ocorreu somente após 40 anos.
No dia 5 de novembro de 1988, o presidente
norte-americano Ronald Reagan - representando os "guardiões da
democracia" - aderiu à Convenção das Nações Unidas para a Prevenção e
Repressão do Crime de Genocídio.
A assinatura dos termos da Convenção enfrentou muitos
adversários internos fortes, os quais acreditavam que aquele documento
infringiria a soberania dos Estados Unidos e seus Aliados. Um dos mais
ferrenhos defensores da Convenção, o senador William Proxmire, do estado de
Winsconsin, fez mais de 3.000 discursos no Congresso, de 1968 a 1987,
defendendo a Convenção.
Lemkin nasceu Rafał Lemkin no vilarejo de Bezwodne na Rússia Imperial, agora em Vilkaviškis districto da Lituânia. Não se sabe muito sobre a infância de Lemkin. Ele cresceu numa família polaco-judia e era um dos três filhos nascido de Joseph e Bella (Pomerantz) Lemkin. Seu pai era um fazendeiro e sua mãe era uma intelectual: pintora, linguista e estudante de filosofia com uma larga coleção de livros de literatura e história. Com sua mãe como influência, Lemkin se tornou perito em nove línguas com 14 anos de idade, incluindo francês, espanhol, hebraico, Ídiche e Russo.
Fonte: Wikipédia