República Árabe Saharaui Democrática


O POVO QUE O MUNDO ESQUECEU


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Bem-vindos ao blog phoenixsaharaui.blogspot.com.br


A criação deste espaço democrático visa: divulgar a causa Saharaui, buscar o reconhecimento pelo Brasil da República Árabe Saharaui Democrática e pressionar a União Européia, especialmente a Espanha, a França e Portugal, mais os EUA, países diretamente beneficiados pela espoliação dos recursos naturais do povo Saharaui, para retirarem o apoio criminoso aos interesses de Mohammed VI, Rei do Marrocos, e com isto permitir que a ONU prossiga no já tardio processo de descolonização da Pátria Saharaui, última colônia na África.


Membro fundador da União Africana, a RASD é reconhecida por mais de 82 nações, sendo 27 latino-americanas.


Nas páginas que seguem, você encontrará notícias do front, artigos de opinião, relato de fatos históricos, biografias de homens do porte de Rosseau, Thoreau, Tolstoy, Emersom, Stuart Mill e outros que tiveram suas obras imortalizadas - enxergaram muito além do seu tempo - principalmente em defesa da Liberdade.


"Liberté, Égalité, Fraternité", a frase que embalou tantos sonhos em busca da Liberdade, é letra morta na terra mãe.


A valente e obstinada resistência do povo Saharaui, com certeza encontraria em Jean Molin - Herói da resistência francesa - um soldado pronto para lutar contra a opressão e, em busca da Liberdade, morrer por sua Pátria.


A Literatura, a Música, a Pintura e o Teatro Saharaui estarão presentes diariamente nestas páginas, pois retratam fielmente o dia-a-dia deste povo, que a despeito de todas as adversidades, em meio a luta, manteve vivas suas tradições.


Diante do exposto, rogamos que o nosso presidente se afaste da posição de neutralidade, mas que na verdade favorece os interesses das grandes potências, e, em respeito a autodeterminação dos povos estampada como preceito constitucional, reconheça, ainda em seu governo, a República Árabe Saharaui Democrática - RASD.


Este que vos fala não tem nenhum compromisso com o erro.


Se você constatar alguma imprecisão de datas, locais, fatos, nomes ou grafia, gentileza comunicar para imediata correção.


Contamos com você!


Marco Erlandi Orsi Sanches


Porto Alegre, Rio Grande do Sul/Brasil

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Amnistia condena sentença contra saharuis



Amnistia condena sentença contra saharuis

Tribunal militar de Rabat condenou a penas pesadas de prisão "os 24 de Gdeim Izik", ativistas do Sahara ocidental presos há dois anos. Amnistia sublinha as alegações de que os presos foram submetidos a tortura, incluindo violência sexual, para confessarem.

A Amnistia Internacional considerou esta segunda-feira que o julgamento dos 24 saharauis condenados por um tribunal militar marroquino "não cumpria padrões internacionalmente reconhecidos de um julgamento justo" e pediu que os acusados sejam levados a um tribunal civil com todas as garantias de direitos humanos que isso implica.
O Tribunal Militar de Rabat anunciou a sentença contra os 24 acusados no domingo. Nove foram condenados a prisão perpétua, quatro a 30 anos de prisão, oito a 25 anos e dois a 20 anos. Outros dois receberam uma pena equivalente ao que tinham cumprido de prisão preventiva.
Os presos, conhecidos como “os 24 de Gdeim Izik”, eram acusados de pertença a um grupo criminoso, prática de violência contra as forças da ordem e ingerência na segurança interna e externa do Estado.
O julgamento começou a 1 de fevereiro, 27 meses após terem sido presos.
O diretor da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África, Philip Luther, disse que o julgamento dos civis saharauis estava viciado desde o início. “Os réus têm consistentemente declarado que foram submetidos a tortura, incluindo violência sexual, para que confessassem”.
Mas o presidente do Tribunal recusou-se a investigar estas alegações. “Os advogados de defesa confirmaram também a ausência de impressões digitais dos detidos em armas brancas e a falta de provas de ADN", sublinha a AI, afirmando que "claramente, as autoridades marroquinas devem saber que o seu constante abuso dos direitos humanos contra os saharauis nos territórios ocupados deve parar e não pode mais ser tolerada."
Frente Polisário diz que sentença é provocação
O Secretariado Nacional da Frente Polisário considerou a condenação como uma escalada provocadora por parte do governo marroquino e definiu o julgamento como "ilegal". Considerou ainda que o veredicto representa um golpe contra os esforços da ONU na procura de uma "solução justa e urgente para o conflito do Sahara Ocidental". Este julgamento "injusto" é o resultado da ausência de um mecanismo da ONU para supervisionar os direitos humanos no Sahara Ocidental, refere o SN da Polisário.
A Polisário faz também um apelo à comunidade internacional a "intensificar os esforços para libertar os presos saharauis e revelar as graves práticas de violações de direitos humanos cometidos pelo Estado marroquino contra os saharauis".
Fonte: http://www.esquerda.net

COMÉRCIO DE ARMAS, CONSELHO DE INSEGURANÇA DA ONU E BESTIALIDADE HUMANA

Os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, EUA, Rússia, Reino Unido, França e China, detentores do poder de veto, por intervenção direta ou apoio à regimes totalitários, estiveram ou estão por trás das graves violações de direitos humanos ocorridas após a segunda guerra mundial.

Fundadores e signatários da Declaração Universal de Direitos Humanos, 1948, as "grandes potências" utilizam a fabulosa estrutura da ONU para legitimar as atrocidades praticadas em nome dos negócios, e garantir a impunidade dos países travestidos de guardiões da paz.

Não por coincidência, os cinco países elencados lideram o ranking dos maiores fabricantes de armas e máquinas de guerra do mundo, assim:

EUA: 30% do mercado;
Rússia: 23%
Alemanha: 11%
França: 8%
Reino Unido: 4%
China: Só o Dragão sabe.

Postulante e forte candidata à cadeira number six (nº6) (seriam seis milhões?) neste seleto clube dos horrores chamado de "conselho de segurança", a Alemanha, depois de patrocinar um dos maiores banhos de sangue que a humanidade experimentou, figura como terceiro maior fabricante de armas do mundo. Deverá ter cadeira cativa, pois não consegue viver longe do cenário macabro. Seu povo, depois da guerra, disse que não sabia ou que não apoiava o fascínora. Agora, novamente, assistem passivamente seu governo investir na produção em massa de armamento causador de morte, destruição e desgraça em terras alheias.

Os senhores da guerra, titulares do clube, apresentam milhões de mortos em seu maquiavélico curriculo: Argélia, Camboja, Vietnam, Coréia, Hungria,Tchecoslovaquia, Chechênia, Sabra e Chatila, Ruanda, Timor Leste, Afeganistão, kosovo, Iraque, Libano, Palestina, Operação Condor - Brasil, Chile, Paraguai, Bolivia, Argentina e Uruguai - Guantánamo, e por aí vai...+ + + + + +

A causa dos Saharauis (1975-2011), o povo que o mundo esqueceu, está inserida neste contexto, onde as "grandes potências", por ação ou por omissão, decidem a sorte de um povo explorando as suas riquezas naturais, mantendo-os segregados em cárcere privado na própria terra, oprimindo-os através da mão de ferro do genocida Mohamed VI, reizinho do Marrocos, calando e cegando a imprensa "livre" internacional, que não vê um muro com 2.700 kilometros e cala criminosamente sobre o genocídio deste povo.

Condenados inexoravelmente à extinção lenta, gradual e segura sob a tutela da ONU, o bravo e heróico povo Saharaui luta diuturnamente pelos direitos de primeira geração -vida, liberdade e propriedade - aguardando o REFERENDUM (MINURSO/1992) marcado para não se realizar, diante da criminosa omissão e cumplicidade dos povos ditos desenvolvidos.


A conduta da ONU, criada para mediar conflitos e promover a PAZ, na verdade esconde e camufla a organização criminosa que decide quem vai morrer, quem vai viver e como no mundo atual. Enquanto isso, a indústria da morte, principal negócio dos sócios remidos, cresce e se fortalece nos países com discurso pacifista e práticas genocidas.



Meu país, o Brasil, ex-colônia de Portugal, recém saído de uma ditadura feroz, mantém vergonhosa postura de neutralidade em relação à causa Saharaui.

Surpreende o comportamento do atual governo - o Partido dos Trabalhadores assumiu compromisso expresso com a auto-determinação e independência da nação Saharaui - comandado por pessoas que lutaram pela liberdade e sobreviveram à tortura, sequestros, desaparecimentos forçados e assassinatos, praticados, não por quem pensava diferente, mas sim  por assassinos treinados por franceses e norte-americanos, e que agora, covardemente, se escondem atrás da Lei da Anistia para eternizar e garantir a impunidade.

A positivação dos direitos humanos verificada ao longo da história, com a conquista dos direitos de primeira, segunda e terceira geração, já falam em quarta geração, enfrenta terrível retrocesso, patrocinado justamente pelos povos responsáveis por lutas históricas que formataram leis em defesa dos direitos humanos.


Desafio os intelectuais à interromperem os estéreis estudos sobre os direitos de 4ª e 5ª geração, e direcionarem seu olhar para a realidade Saharaui que, em pleno século XXI, não consegue ultrapassar a primeira fase, sufocados pelos países que escrevem mas não cumprem as leis.



Prezados, abram a porta da história, pisem na areia quentíssima do deserto, sintam a escassez da água e do alimento, acampem em barracas na noite gelada, pulem sobre as minas terrestres fabricadas em seus próprios países, façam caminhada ao longo do muro invisível, são só 2.700 Km de extensão, desafiem a sanguinária polícia marroquina, visitem a histórica prisão chamada Cárcere Negra, superem as doenças, protejam as crianças, defendam as mulheres, esperem a chuva, sonhem com a liberdade, lutem pela vida... Aí sim, os senhores estarão realmente capacitados e preparados para pensar sobre a positivação dos direitos humanos.


Desta forma, a bestialidade humana sobrevive em estado latente na sociedade, alimenta-se da hipocrisia, renova-se periodicamente e retorna com novas e dissimuladas técnicas para extermínio do ser humano, sendo que, a LEI é a mais sofisticada e letal.

E você, até quando vai achar que esta situação não tem nada à ver contigo?


Segue pequeno grande poema para reflexão:

"No caminho, com MAIAKOVSKI

Tu sabes,

conheces melhor do que eu

a velha história.

Na primeira noite eles se aproximam

e roubam uma flor

do nosso jardim.

E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem:

pisam as flores,

matam nosso cão,

e não dizemos nada.

Até que um dia,

o mais frágil deles

entra sozinho e nossa casa,

rouba-nos a luz e,

conhecendo nosso medo,

arranca-nos a voz da garganta.

E já não podemos dizer nada.


Nos dias que correm

a ninguém é dado

repousar a cabeça

alheia ao terror.

Os humildes baixam a cerviz:

e nós, que não temos pacto algum

com os senhores do mundo,

por temor nos calamos.

No silêncio de meu quarto

a ousadia me afogueia as faces

e eu fantasio um levante;

mas amanhã,

diante do juiz,

talvez meus lábios

calem a verdade

como um foco de germes

capaz de me destruir."


Fragmentos do poema - NO caminho, com MAIAKÓVSKI - escrito por EDUARDO ALVES DA COSTA, em 1985.

Dados sobre armamentos - Fonte: www.sipri.org

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

APROXIMAÇÕES ENTRE O COMBATE À GUERRILHA DO ARAGUAIA E O OPERATIVO INDEPENDENCIA NA ARGENTINA: PRECEITOS DA GUERRE RÉVOLUTIONNAIRE NO CONE SUL


APROXIMAÇÕES ENTRE O COMBATE À GUERRILHA DO ARAGUAIA E O OPERATIVO INDEPENDENCIA NA ARGENTINA: PRECEITOS DA GUERRE RÉVOLUTIONNAIRE NO CONE SUL

* Caroline Silveira Bauer

Texto completo: http://revistahistoriauft.files.wordpress.com/2012/04/aproximac3a7c3b5es-entre-o-combate-c3a0-guerrilha-do-araguaia-e-o-operativo-independencia-na-argentina-preceitos-da-guerre-rc3a9volutionnaire-no-cone-sul.pdf

Parte:

RESUMO

Este artigo estabelece uma comparação entre as estratégias repressivas empregadas pelos militares brasileiros no combate à Guerrilha do Araguaia e pelas Forças Armadas argentinas no chamado Operativo Independencia, realizado no ano de 1975 para eliminar a guerrilha rural na região de Tucumán, no noroeste argentino. Ambas as ações foram orientadas por preceitos da Guerra Revolucionária, uma teoria militar desenvolvida pela França para a luta contra movimentos insurgentes.

Introdução

Este artigo discute parte das reflexões desenvolvidas para a elaboração de minha tese de doutorado (BAUER, 2011), que, em sua primeira parte, apresenta uma análise comparativa entre as estratégias de implantação do terror das ditaduras civil-militares argentina e brasileira, mais especificamente, do emprego do desaparecimento como componente das ações repressivas. Buscando as origens dessa prática e comparando as ações militares desenvolvidas no combate à Guerrilha do Araguaia1 e na execução do Operativo Independencia,2 evidenciou-se que ambas as operações, mesmo situadas em conjunturas políticas diferentes nos dois países, estiveram pautadas pelo emprego dos preceitos da Guerra Revolucionária.

A França e a Guerre Révolutionnaire

A Guerre Révolutionnaire, ou Guerra Revolucionária (GR), era uma concepção militar francesa que foi desenvolvida a partir da experiência da guerra colonial de libertação nacional ocorrida na Indochina (1946-1954).

A doutrina elaborada para o combate desta que não era uma guerra convencional – o que exigiu a aplicação de métodos igualmente não convencionais – seria aprimorada durante a Guerra da Argélia (1954-1962), principalmente após a Batalha de Argel (1957).

“A principal característica desta forma de conflito era a indistinção entre os meios militares e os não militares e a particular combinação entre política, ideologia e operações militares que ela punha em funcionamento.” (MARTINS FILHO, 2004:[s. p.])3

Assim, a GR extraiu seu nome, sua estratégia e seus métodos daquilo que visava combater, em um “efeito espelho” (LEMOINE, 2004), no qual o inimigo seria derrotado através da utilização das mesmas armas que empregava.

Complementarmente, a teoria abrangia uma estratégia e métodos que incluía um eficaz sistema de informações organizado mediante a quadriculação do território, a utilização de centros clandestinos de detenção e interrogatório, o emprego das torturas físicas e psicológicas como forma de obter dados, a “reconversão” dos presos políticos e a eliminação dos militantes através de esquadrões da morte ou do desaparecimento.

Todas essas práticas, teorizadas por militares franceses como Roger Trinquier, bastante lido pelas Forças Armadas argentinas e brasileiras (LLUMÁ, [s. d.]: 15), configuravam “ações psicológicas” fundamentais para “apropiación de las almas […] que deberá ‘canalizar las energías, las voluntades, los entusiasmos, los amores, los odios’, lo que servirá también para la recuperación o conversión de prisioneros, después de haberlos quebrado mediante ‘la brutalidad’ […].”(OLIVEIRA-CÉZAR, [s. d.]: 72)

A operação policial-militar que ficaria conhecida como “a batalha de Argel” transformou-se em um modelo francês de combate à GR. Tratou-se de uma operação onde foram postas em prática uma série de estratégias – como a quadriculação do território e a utilização de centros clandestinos de detenção e interrogatório – e métodos que seriam exportados a outros países, tais como a importância das informações, a utilização da tortura como forma de interrogatório, e os desaparecimentos.

Posteriormente, em 1966, o cineasta italiano Gillo Potencorvo lançou o filme  ntitulado “A Batalha de Argel” como forma de denunciar as práticas empregadas pelas forças de segurança francesas no combate à FLN. Paradoxalmente, o filme foi utilizado pelas Forças Armadas de diversos países – inclusive argentinos e brasileiros – como forma de instruir os militares no combate à GR, devido à verossimilhança com os fatos ocorridos em Argel.

Cinicamente, ao ser perguntado se assistira à produção, Paul Aussaresses afirmou: “Sí, es magnífica. Muy próxima a la verdad. No se puede hacer mejor, está muy bien interpretada” (EL CONCEPTO, [s. d.]). Na Argentina, o filme era utilizado durante as instruções militares e na introdução aos estudos da doutrina da GR desde 1967 (ROBIN, 2005: 308).

Todos esses elementos foram fundamentais para a formulação das estratégias de implantação do terror das ditaduras civil-militares de segurança nacional argentina e brasileira.

A Recepção da GR pelos Militares Argentinos e Brasileiros

A doutrina francesa teve uma ampla receptividade nas Forças Armadas argentinas e brasileiras, pois ambas necessitavam desenvolver uma resposta para o problema que julgavam ameaçar a política da década de 1950 e seguintes: o peronismo, na Argentina, e o varguismo, no Brasil.

O suicídio de Getúlio Vargas no Brasil em 24 de agosto de 1954, motivado por uma situação de impossibilidade da política devido à desestabilização de seu governo e as constantes ameaças de golpe militar – que voltariam a se repetir nos anos seguintes –,4 e a eclosão da Revolución Libertadora na Argentina em 16 de setembro de 1955, que enviou Perón para um exílio de 18 anos e prescreveu o peronismo, são indícios da identificação dos militares argentinos e brasileiros de que ambos os momentos representavam uma fase da guerra revolucionária em curso.

Quando a doutrina francesa chega ao Brasil, os militares concluíram que a guerra revolucionária estava em curso no país desde o levante comunista de 1935 (MARTINS FILHO, 2009: 189). O adido militar da embaixada da França em Buenos Aires, em correspondência ao Ministro da Defesa em Paris, afirmou que “‘Tras la revolución de septiembre […], el Ejército argentino está en plena reorganización y es de interés hacer notar que algunos de sus miembros más influyentes se vuelcan hacia Francia en busca de ideas y modelos.’” (LLUMÁ, [s. d.]: 6).

Nesse período, já existiam adidos militares na embaixada da Argentina em Paris. (ROBIN, 2005: 275) A Argentina foi o primeiro país americano a receber a doutrina de combate à GR, quase uma década antes das outras nações, cujos oficiais foram formados em escolas militares estadunidenses principalmente a partir da Revolução Cubana.

Oficialmente, o precursor da introdução desses estudos no país foi o então coronel Carlos Rosas, que retornou da França, onde havia realizado vários estudos in loco, e assumiu, em 1956, a subdireção da Escuela Superior de Guerra, em Buenos Aires.

O general argentino Alcides López Aufranc também foi um dos primeiros militares a serem enviados à França 4 para fazer um treinamento. Lá permaneceu durante dois anos, e, depois, ao regressar à Argentina, se transformou em um dos principais teóricos disseminadores da doutrina de combate à GR.

Em 1957, a escola recebeu, na qualidade de assessores e professores e financiados pelo governo argentino, quatro militares que haviam participado das guerras da Indochina e Argélia, que permaneceram na instituição até 1962.

Durante os anos seguintes, mais de uma centena de oficiais foram enviados à Argélia para realizarem “uma viagem de estudos” (ABRAMOVICI , [s. d.]) e publicou-se uma série de artigos dos militares franceses em revistas castrenses e realizaram-se diversos cursos sobre a guerra revolucionária, destinados à atualização dos oficiais argentinos.

Com o assessoramento dos militares franceses, as Forças Armadas argentinas elaboram o Plan de Conmoción Interna del Estado, ou Plan CONINTES.

O plano foi criado pelo Decreto secreto n. 9.880, de 14 de novembro de 1958, e posto em execução pelo Decreto n. 2.628, de 13 de março de 1960, ambos promulgados pelo então presidente argentino Arturo Frondizi, e previa a possibilidade de conferir às Forças Armadas a prerrogativa de reprimir manifestações populares, assim como determinar que seus responsáveis fossem julgados por tribunais militares.

Além de restringir alguns direitos e garantias constitucionais e habilitar a militarização da sociedade através da declaração como “zonas militarizadas” centros ou cidades de importância estratégica para o governo. Um atentado à bomba contra um capitão do Exército no dia 12 de março de 1960 foi a justificativa para a declaração do “estado CONINTES” pelo presidente Frondizi no dia 14 de março de 1960. Tratou-se de um atentado organizado pelos peronistas, que tinham seu partido político proscrito desde 1955.

Estima-se que durante todo o governo Frondizi, houve 1.566 atentados desse tipo. Em dois de agosto de 1961, o presidente declarou o término do “estado Conintes”, situação que se repetiu em 1962 durante vários meses.

Durante a Conferência dos Exércitos Latino-americanos de 1961, o general Spirito, chefe do Estado-Maior argentino, propõe às demais delegações participantes do evento a ideia de realizar um Curso Interamericano de Guerra Contrarrevolucionaria, que seria dirigido pelo coronel Lopez Aufranc, que havia realizado um curso na Escola Superior de Guerra francesa, do qual participariam 39 oficiais de treze países latino-americanos mais os representantes dos Estados Unidos.

Em correspondência com o governo francês, o embaixador da França na Argentina comenda que o papel dos assessores militares franceses na concepção e elaboração deste curso foi determinante, destacando a presença de militares norte-americanos entre os participantes do evento (ABRAMOVICI , [s. d.]).

Esta missão francesa permanece na Argentina até meados de 1966, quando um setor ligado aos Estados Unidos das Forças Armadas argentinas toma o poder. Uma segunda missão será enviada ao país em 1974. O novo chefe da missão é o coronel Robert Servant, que fora um dos encarregados da 5ª seção do Exército em Argel, e que conhecera em Madrid ao então tenente coronel argentino Reynaldo Bignone.

Servant mantinha-se em permanente contato com Pedro Latanne, chefe do Service de Documentation Extérieure et de Contreespionage (SDECE) para Argentina e Brasil, subordinado ao adido militar francês no Brasil, Paul Aussaresses (ABRAMOVICI , [s. d.]).

No Brasil, os primeiros registros de uma produção autóctone sobre a Guerra Revolucionária datam do final daquela década. Em 1958 foram traduzidos e publicados alguns artigos das revistas francesas Revue Militaire d’Information e da Revue de Défense Nationale.

No ano seguinte, o general Augusto Fragoso ministrou no curso “Estado-Maior e Comando” da Escola Superior de Guerra a palestra “Introdução ao Estudo da Guerra Revolucionária”, resultado de seus estudos da produção francesa em relação à temática, onde afirmava: a bibliografia francesa sobre a Guerra Revolucionária é, pode-se dizer, a única existente. A bibliografia de origem norte-americana não deu até agora ao assunto a importância merecida: nos catorze últimos números consultados da Military Review (de janeiro de 1958 a fevereiro de 1959) não há nenhum estudo, artigo ou tópico que fale, no título, de Guerra Revolucionária, Guerra Insurrecional ou Guerra Subversiva. (MARTINS FILHO, 2004: [s. p.])

No discurso de Fragoso, aparecem outras referências à assimilação da doutrina francesa de combate à Guerra Revolucionária, principalmente no papel das Forças Armadas na política e como condutores desse combate.

Para o militar brasileiro, as autoridades civis, “em face do direito”, dispunham de poucas alternativas quando aos meios legais e às técnicas a aplicar, “enquanto os revolucionários consideram válidos todos os meios imagináveis de luta.”

Havia uma urgência “para combater a subversão, para enfrentar a guerra revolucionária”, sendo necessária uma diferenciação entre os cidadãos e os “militantes da guerra revolucionária”: “não se pode manter em relação aos militantes da guerra revolucionária, o respeito das liberdades individuais asseguradas aos demais cidadãos e as medidas de proteção que beneficiam, na ação judiciária, os delinquentes do direito comum.” Para Fragoso, “o regime democrático característico do mundo livre, e tão prezado por todos nós” não favorece o combate à guerra revolucionária devido ao “abuso de liberdades que, via de regra, propicia ao adversário” (MARTINS FILHO, 2004: [s. p.]).

Em 1961 e 1962, realizaram-se os primeiros intercâmbios de conhecimentos sobre o combate à Guerra Revolucionária entre Argentina e Brasil. O Estado-Maior do Exército, no Rio de Janeiro, organizou, entre agosto e novembro de 1962, um curso de aproximadamente 20 horas cujo conteúdo era uma adaptação do currículo do Primero Curso Interamericano de Guerra Contrarrevolucionaria – que três oficiais brasileiros haviam realizado na Argentina em outubro de 1961, junto a representantes dos Estados Unidos e outros 13 países latinoamericanos.

Dirigido pelo general Aurélio Alves Ferreira e contando com quatro instrutores, o curso teve assistência de 60 oficiais das cinco seções do Estado-Maior, 20 das quatro diretorias do Exército, cinco da Marinha e cinco da Aeronáutica, o curso tinha como objetivo “esclarecer, orientar e recomendar aspectos da conduta militar na atual conjuntura brasileira”, que, segundo os militares, estava marcada pela Guerra Revolucionária em curso.

O curso fazia parte de uma reformulação dos currículos de formação militar no Brasil implementada alguns meses antes pelo chefe do Estado-Maior do Exército, o general Humberto de Alencar Castello Branco, que ressaltava a necessidade de se estudar a Guerra Revolucionária e temas correlatos. (MARTINS FILHO, 2004: [s. p.])

O general Ernesto Geisel era um leitor de Suzanne Labin, uma das teóricas francesas sobre a guerra revolucionária. De acordo com o jornalista Elio Gaspari, Geisel, em um de seus manuscritos, copiou alguns trechos do livro da autora, como “o fascismo é o castigo das democracias que se mostram, não excessivamente severas, mas, ao contrário, excessivamente complacentes com o comunismo”(GASPARI, 2003: 86-87).

De acordo com Gaspari, princípios da GR são encontrados nas obras de Golbery como no capítulo O Planejamento e a Segurança Nacional em A Geopolítica do Poder (GASPARI, 2003: 134 e ss.).

Junto a publicações em revistas militares, a literatura francesa foi amplamente difundida entre os militares das Forças Armadas brasileiras. Nos primeiros anos após o golpe, o debate sobre a guerra revolucionária não manteve o mesmo ímpeto que adquirira na conjuntura anterior à implementação da ditadura, já que não havia resistência de envergadura de grupos opositores, sequer luta armada.

Porém, isto não pode ser apontado como um indício de que os ensinamentos franceses perderam a importância. De acordo com João Roberto Martins Filho, “as ideias emprestadas dos franceses permaneceram como ponto de referência doutrinária no interior das Forças Armadas” (MARTINS FILHO, 2009: 187) e um dos documentos oficiais mais contundentes que evidenciam a assimilação dos ensinamentos franceses é o Inquérito Policial Militar n. 709 (IPM 709).

Tratou-se de uma investigação instaurada no dia 21 de setembro de 1964, sob responsabilidade do coronel Ferdinando de Carvalho, sobre o comunismo no Brasil. No texto do IPM, o coronel e sua equipe, que congregava 21 pessoas divididas nas seções de justiça, seção de estudos e investigações, seção de depoimentos e seção de administração (BRASIL, 1966: 6-7), afirmavam que era necessário extrair lições das derrotas francesas em suas guerras de libertação e apropriar-se seletivamente dos ensinamentos franceses.

Uma figura fundamental para as doutrinas francesas no Brasil foi o general Paul Aussaresses, que, junto com Roger Trinquier, em 1957, eram auxiliares do general Jacques Massu, que liderava a Batalha de Argel.

Aussaresses tornou-se adido militar no Brasil em 1973, por recomendação do representante do Service de Documentation Extérieure et de Contre-espionage (SDECE) da embaixada da França em Brasília. Nesta cidade, estabelece relações com o general João Batista Figueiredo, então chefe do Serviço Nacional de Informações, que futuramente ocuparia o cargo de presidente da República. “‘Nos hicimos grandes amigos… Él dirigía junto al comisario Sergio Fleury los escuadrones de la muerte brasileños’” (ROBIN, 2005: 364). Cuando fui nombrado agregado militar en Brasil, en 1973, encontré varios generales que me dijeron: ‘Oh… ¡Los hemos tenido usted como instructor en Fort Bragg!’ - Brasil en esa época estaba gobernado por una junta militar?
- Si, era una dictadura militar, y eso funcionaba… En diez años, los oficiales que yo había formado habían tomado el poder… (ROBIN, 2005: 348)

Esta era a apreciação de Aussaresses sobre a repressão brasileira: El gobierno brasileño libró una lucha sin piedad contra los comunistas entrenados por la Unión Soviética. El comisario Sergio Fleury, que era de origen francés, se puso a perseguir a todo lo que se pareciera a un tipo raro, […]. Los policías arrestaban violentamente a la gente, mientras los escuadrones de la muerte, constituidos por gendarmes y ‘paras’ bastante duros, terminaban el trabajo. (ROBIN, 2005: 365)

Aussaresses afirmou que “tuve una relación muy estrecha con los militares brasileños.

Era una dictadura militar. Brasil ayudó considerablemente la acción del general Pinochet contra Allende” (EL CONCEPTO, [s. d.]). Se Aussaresses tinha este nível de informação sobre a colaboração da ditadura civil-militar de segurança nacional brasileira com os demais países do Cone Sul, torna-se bastante inverossímil pensar que não estivesse a par das operações militares desenvolvidas no Araguaia.

Perguntado por Marie-Monique Robin se ministrou cursos durante sua estada no Brasil, Aussaresses respondeu afirmativamente, complementando: “siempre lo mismo: la batalla de Argel”. Esses cursos foram ministrados em instituições militares, especialmente em um centro de treinamento de forças especiais, localizado em Manaus, estado do Amazonas (ROBIN, 2005: 365), chamado Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS).

O CIGS foi criado através do Decreto n. 53.649, de dois de março de 1964. Na página do Exército brasileiro, afirma-se que o centro disponibiliza vagas “para militares de nações amigas, conforme interesses diplomáticos nacionais.”5

De acordo com o jornal Folha de São Paulo, entre 1966 e 1985, 103 oficiais estrangeiros – argentinos, bolivianos, chilenos, colombianos, equatorianos, espanhóis, estadunidenses, franceses, guatemaltecos, guianeses, mexicanos, panamenhos, paraguaios, peruanos, surinameses e venezuelanos – foram treinados pelo Exército brasileiro “em técnicas de tortura e combate à guerrilha”.

Entre os ex-alunos, estão militares condenados por assassinato, cumplicidade em genocídios e tortura (VEJA, 2008), como o coronel francês Didier Tauzin, que em 1994 liderou a “Operação Chimère” para treinar oficiais hutus no combate aos tutsis em Ruanda, um confronto étnico que resultou em um genocídio de 800 mil vítimas (EXÉRCITO, 2008).

O CIGS era dirigido pelo coronel Jorge Teixeira de Oliveira, que havia realizado um curso no Jungle Operation Training Center, em Fort Sherman, no Panamá.

5 Na página do Exército, consta também um pequeno resumo do conteúdo desses cursos. Cf.
http://www.exercito.gov.br/06OMs/centros/cigs/indice.htm Último acesso: 20 set. 2010.

Aussaresses confirma a presença de alunos estrangeiros no centro, mas não somente como alunos. Havia, além de sua presença como ministrante de aulas sobre a guerra revolucionária, instrutores boinas verdes norte-americanos (ROBIN, 2005: 367).

Aussaresses vai embora do Brasil em 1975 e passa a dedicar-se ao comércio de armas; e, nesta nova missão, com o intermediação britânica, vende material para a realização do Operativo Independencia em Tucumán (ABRAMOVICI , [s. d.]).

A Guerrilha do Araguaia no Brasil, e o Operativo Independencia e a Escuela Mecánica de Armada na Argentina: Paradigmas dos Ensinamentos Franceses

Outro exemplo da incorporação da doutrina francesa sobre a GR pelas ditaduras civilmilitares de segurança nacional argentina e brasileira foi a elaboração das estratégias de implantação do terror desses regimes, que tiveram no combate à Guerrilha do Araguaia (1972-1974) e o Operativo Independencia (1975) seus pontos paradigmáticos.

O primeiro indício é o processo de militarização da estrutura de informação e repressão pré-existentes e a criação de novos órgãos subordinados às Forças Armadas, o que evidencia o paulatino engajamento dos militares na “luta contra a subversão e o terrorismo”.

Em ambos os país, a repressão se organizou a partir da existência de dois níveis de normatividade, combinando métodos legais e clandestinos, agindo paralelamente. Havia uma repressão de caráter público, configurada pelo conjunto de normas sancionadas durante esse período para a consecução dessas, e uma repressão clandestina, composta práticas ilegais fundamentadas em ordenamentos elaborados pelas Forças Armadas. Esta configuração foi chamada pelos pesquisadores argentinos como doctrina del paralelismo global.6

No entanto, há diferenças bastante significativas entre os dois países quanto aos procedimentos legais e clandestinos. No caso brasileiro, prevaleceu o aspecto legal, mesmo que essa legalidade representasse um arbítrio, enquanto que na Argentina a repressão esteve pautada quase que exclusivamente pela clandestinidade, o que se justifica pelos objetivos dos militares: exterminar a dissidência política.

(...)

Bibliografia
CAMPOS FILHO, Romualdo Pessoa. Guerrilha do Araguaia: a esquerda em armas. Goiânia: UFG, 1997.
GASPARI, Elio. A ditadura derrotada. São Paulo: Cia. das Letras, 2003.
LLUMÁ, Diego. Los maestros de la tortura. Todo es historia, n. 422.
MÁNTARAS, Mirta. Genocidio en Argentina. Buenos Aires: do autor, 2005.
MARTINS FILHO, João Roberto. A influência doutrinária francesa sobre os militares brasileiros nos anos de 1960. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 23, n. 67, jun. 2008. p. 39-50.
___________. Tortura e ideologia: os militares brasileiros e a doutrina de guerre révolutionnaire (1959-1974). In: SANTOS, Cecília Macdonell, TELES, Edson, TELES, Janaína de Almeida (orgs.). Desarquivando a ditadura: memória e justiça no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2009. v. 1.
MARTYNIUK, Claudio. ESMA: fenomenología de la desaparición. Buenos Aires: Prometeo, 2004.
MIGNONE, Emilio F., McDONNELL, Augusto Conte. Estrategia represiva de la dictadura militar: la doctrina del paralelismo global. Buenos Aires: Colihue, 2006.
MORAIS, Taís, SILVA, Eumano. Operação Araguaia. São Paulo: Geração Editorial, 2011.
ROBIN, Marie-Monique. Escuadrones de la muerte: la escuela francesa. Buenos Aires: Sudamericana, 2005.
STUDART, Hugo. A lei da selva. São Paulo: Geração Editorial, 2006.
VERBITSKY, Horacio. El vuelo. Buenos Aires: Sudamericana, 2004.
VV. AA. Ese infierno: conversaciones de cinco mujeres sobrevivientes de la ESMA. Buenos Aires: Altamira, 2006.

Documentos

BRASIL. Ato Institucional n. 5 de 13 de dezembro de 1968. Diário Oficial da União, Brasília, 13 dez. 1968, p. 10.801.
__________. Decreto n. 5.584 de 18 de novembro de 2005. Dispõe sobre o recolhimento ao Arquivo Nacional dos documentos arquivísticos públicos produzidos e recebidos pelos extintos Conselho de Segurança Nacional (CSN), Comissão Geral de Investigações (CGI) e Serviço Nacional de Informações (SNI), que estejam sob a custódia da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Diário Oficial da União, 19 nov. 2005.
__________. Decreto-lei n. 314 de 13 de março de 1967. Define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social e dá outras providências. Diário Oficial da União, 13 mar.
1967.
__________. Decreto-lei n. 898 de 29 de setembro de 1969. Define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo e julgamento e dá outras providências. Diário Oficial da União, 29 set. 1969.
__________. Inquérito Policial Militar n. 709: o comunismo no Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1966. v. 1.
__________. Lei n. 6.620 de 17 de dezembro de 1978. Define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo e julgamento e dá outras providências. Diário Oficial da União, 17 dez. 1978.
__________. Lei n. 7.170 de 14 de dezembro de 1983. Define os crimes contra a segurança
nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo e julgamento e dá outras
providências. Diário Oficial da União, 14 dez. 1983.
__________. Presidência da República. Conselho de Segurança Nacional. Secretaria-geral.
Ata da 41ª seção do Conselho de Segurança Nacional, realizado em 11 de julho de 1968.
Arquivo Nacional/Rio de Janeiro.
__________. Presidência da República. Conselho de Segurança Nacional. Secretaria-geral.
Ata da 43ª seção do Conselho de Segurança Nacional, realizada em 13 de dezembro de 1968. Arquivo Nacional/Rio de Janeiro.

Teses

BAUER, Caroline Silveira. Um estudo comparativo das práticas de desaparecimento nas ditaduras civil-militares argentina e brasileira e a elaboração de políticas de memória em ambos os países. Porto Alegre/Barcelona. UFRGS/UB, 2011. 445 f. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-graduação em História/Departament d’Història Contemporània, Universidade Federal do Rio Grande do Sul/Universitat de Barcelona, Porto Alegre/Barcelona, 2011.

Sites

ABRAMOVICI, Pierre. La doctrina francesa y el terror em América Latina. Disponível em: http://www.elortiba.org/soja.html Último acesso: 20 set. 2010.
EL CONCEPTO de subversión. Disponível em: http://www.elortiba.org/soja.html Último acesso: 20 set. 2010.
LA ESCUELA francesa. Entrevista com Marie-Monique Robin. Disponível em:
www.revistalote.com.ar Último acesso: 20 set. 2010.
LEMOINE, Maurice. Da guerra colonial ao terrorismo de Estado. Le Monde Diplomatique
Brasil, 1 nov. 2004. Disponível em: http://diplomatique.uol.com.br/ Último acesso: 21 set. 2010.
MARTINS FILHO, João Roberto. A educação dos golpistas: cultura militar, influência francesa e golpe de 1964. Paper apresentado no “International Symposium ‘The cultures of dictatoryship: Historical reflections on the Brazilian golpe of 1964’”. University of Maryland, 14-16 out. 2004. Disponível em: http://www.history.umd.edu/HistoryCenter/2004- 05/conf/Brazil64/program.html Acesso: 27 mar. 2005.

Jornais e Revistas

EXÉRCITO ensinou tortura a estrangeiros durante a ditadura. Folha de São Paulo, São Paulo, 15 jun. 2008.
OLIVEIRA-CÉZAR, María. El aprendizaje de la guerra contrarrevolucionaria. Todo es historia, n. 435.
VEJA lista dos alunos estrangeiros do Centro de Instrução de Guerra na Selva. Folha de São Paulo, São Paulo, 15 jun. 2008.

Sobre a Autora:

* Caroline Silveira Bauer: Professora de História e historiadora, doutora em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pela Universitat de Barcelona. Consultora técnica da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos – Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

A DOUTRINA DA GUÈRRE RÉVOLUTION: novas hipóteses para a judicialização da repressão no regime de 1964


A doutrina da guèrre révolutionnaire: novas hipóteses para a judicialização da repressão no regime de 1964

GT 14 – Forças Armadas, Estado e Sociedade



Por Erika Kubik da Costa Pinto

Outubro de 2012

Texto completo:




As derrotas na Indochina e a eclosão da guerra da Argélia fortaleceram no Exército francês a ideia de que a principal causa da derrota fora não ter uma doutrina militar preparada para enfrentar um novo tipo de guerra, na qual se confundiam elementos militares e não militares e combinavam de forma particular política, ideologia e operações bélicas. Esse novo tipo de guerra não poderia ser compreendido fora de seu espectro ideológico.

A guerra revolucionária surgiria como um desdobramento típico da Guerra Fria, em que atuaria em círculos cada vez maiores que se afastariam das fronteiras dos países socialistas.

Para o General Trinquier, a guerra revolucionária abandona a clássica visão de dois exércitos inimigos sobre um campo de batalha, no momento em que o inimigo explora tensões políticas, ideológicas, sociais e econômicas, aproximando-se da população com o objetivo de subverter o regime corrente.

Assim, as guerras revolucionárias, sejam elas localizadas ou de um espectro mais amplo, deixam de ter como objetivo único a defesa de fronteiras e território e incorporam a ideia de imposição de uma visão ideológica de mundo, de maneira que a guerra total é incorporada como justificativa para os conflitos que surgem fora do eixo das grandes potências.

Raphaelle Branche (2001: 108) afirma que os militares franceses dirigidos pelo general Salan em 1956, entenderam que para a guerra contrarevolucionária, as funções militares sofreriam uma alteração no sentido mesmo das mudanças do perfil da guerra.

Martins Filho (2008:41) afirma que a derrota da Indochina foi fundamental para as alterações teóricas que se seguiram na construção desta nova teoria de guerra, no sentido de mostrar que a doutrina da guerra clássica não estava preparada para este novo contexto de múltiplos aspectos.

Nesse quadro, esta nova doutrina oferecia um diagnóstico e um remédio para aquilo que um influente grupo de militares franceses via como a doença principal do mundo moderno, a incapacidade do Ocidente em enfrentar o desafio da subversão comunista ateia.

O mesmo autor (2009: 182) enfatiza que a doutrina da guerra revolucionária francesa criou uma visão particular das relações entre guerra e política, pois, na medida mesma em que o controle das informações seria o elemento decisivo da guerra revolucionária, combater essa forma de guerra exigiria a unificação do comando político e do comando militar.

Ao colocar a guerra revolucionária como uma nova tipificação de guerra, surgida no bojo da Guerra Fria, o general Trinquier (1961) mostra que a interdependência atual dos países leva a que, mesmo um conflito localizado, tenha repercussões mundiais. Ou seja, a guerra revolucionária ou subversiva surge localizadamente, refletindo uma série de oposições de natureza macro política.

Para o autor, na condução de uma guerra baseada em duas situações específicas, o terrorismo, que aconteceria principalmente nas cidades e a guerrilha, no interior, conhecer o inimigo e sua estratégia seria fundamental.

Daí decorreria a necessidade de se obter informações para o desmantelamento da oposição a qualquer custo. Para Trinquier (1961), a intimidação seria o meio mais eficaz de ação política, tanto na esfera interna quanto na esfera internacional. Uma guerra vitoriosa extermina apenas uma parte ínfima do adversário, no entanto, a intimidação pelas ações desmoraliza e submete a vontade de todo o inimigo.

A doutrina da guerra revolucionária francesa subverte a ordem estabelecida pela guerra clássica e coloca o recurso às armas no final do conflito e não no seu começo.

Trinquier se afasta da teorização da guerra clássica defendendo que a guerra revolucionária se desenvolve em moldes hobbesianos - o soldado seria o lobo do próprio soldado.

Nestes termos, não haveria espaço para normas e convenções internacionais baseadas no direito de guerra – aqui entendida prioritariamente a Convenção de Genebra. A guerra revolucionária justificaria, por assim dizer, o uso sistemático da tortura, vez que seria a representação máxima da guerra sem limites jurídicos, fora de qualquer fiscalização por parte do direito internacional.

Ao retirar da competência internacional o controle sobre a guerra revolucionária, Trinquier (1961) traça o perfil do inimigo interno como aquele que recorre a todos os procedimentos de combate que um exército regular deveria abster-se de utilizar no caso de um país democrático.

Tanto as ações terroristas urbanas, quanto a guerrilha rural se complementam nos objetivos da oposição. A contra-ação deveria, portanto, objetivar a exterminação de ambas. Nesse sentido, dois aspectos passam a ser fundamentais: a manipulação da população por meio de mecanismos particulares de ação psicológica sobre as massas e a necessidade de acesso rápido às informações logo que o inimigo é preso.

Branche (2001) pesquisou com fôlego a tortura e o desenvolvimento da guerra revolucionária na Argélia. Ela mostra que, a partir de 1956, o exército francês inicia uma nova era de ação contra-revolucionária. Na medida mesma que a rebelião se alastra pelas cidades, a resposta imediata se dá através da ação psicológica sobre os cidadãos de maneira massiva 2001: 105).

Esta ação psicológica surge a partir de uma  mudança no eixo teórico da guerra, quando um novo ingrediente é posto em destaque, as oposições ideológicas.

O general Trinquier (1961) ao sistematizar uma teoria de réplica à guerra subversiva, parte do pressuposto de que um terrorista ou um guerrilheiro não pode ser considerado um soldado como os demais.

Ele sustenta que, uma vez capturado, este não deve ser tratado como um prisioneiro de guerra sujeito à Convenção de Genebra, nem sua responsabilização pelos atos praticados será pessoal, individual, mas pelos atos de destruição e insubmissão de forma ampla.

Existe neste caso, uma inversão da responsabilização penal, que passa do indivíduo para a responsabilização do todo como forma de intimidar toda a oposição.

O general justifica a tortura como o mecanismo mais rápido e eficaz de destruir a infra-estrutura político-ideológica da oposição, a criação de um ordenamento penal excepcional e processo e julgamento por cortes militares de exceção.

A necessidade de informações rápidas para destruir as células só poderia ser obtida pela tortura, que “enverga o corpo e submete o psicológico”.

Ela se transformou durante a guerra da Argélia em arma essencial do poder com duplo objetivo, como mostra Lauret e Lassierra (1974: 328): “a tortura não é apenas para conseguir informações, ela é uma arma psicológica”.

Além disso, a flexibilidade na definição do inimigo permitiu que ela fosse empregada contra uma gama importante de setores de oposição não vinculados à guerra subversiva e, esta situação só se agravou com a estratégia militar das incursões ao acaso na busca de células e terroristas.

(...)


Com a possibilidade de prisões sem autorização judicial, o preso ficava numa espécie de vácuo legislativo, sem existência jurídica. A complexidade na construção da legislação repressiva produziu um espaço onde tais ilegalidades puderam ser cometidas.

O manual de interrogatórios elaborado e divulgado sigilosamente em 1971 no Centro de
Informações do Exército, junto com o comportamento dos interrogadores, definia os limites entre os métodos de tortura como estratégia repressiva ilegal e o nível judicial de repressão:



“(...) o interrogatório é uma arte e não uma ciência (...) o interrogatório é o confronto de personalidades (...) o fator que decide o resultado de um interrogatório é a habilidade com que o interrogador domina o indivíduo, estabelecendo tal advertência para que ele se torne o cooperador submisso (...) uma agência de contra-informação não é um tribunal da justiça, ela existe para obter informações sobre as possibilidades, métodos e intenções de grupos hostis ou subversos, a fim de proteger o Estado contra seus ataques, disso se conclui que o objetivo de um interrogatório de subversivos não é fornecer dados para a Justiça criminal, é processá-los; seu objetivo real é obter o máximo possível de informações. Para conseguir isso será necessário frequentemente, recorrer a métodos de interrogatório que, legalmente, constituem violência. É assaz importante que isto seja bem entendido por todos aqueles que lidam com o problema, para que o interrogador não venha a ser inquietado para observar as regras escritas do Direito (...) porém, se o prisioneiro tiver de ser apresentado num tribunal para julgamento, tem de ser tratado de forma a não apresentar evidência de ter sofrido coação em suas confissões”.

Apesar das denúncias serem aceitas pela Justiça Militar com base em interrogatórios retirados sob tortura, isso não significaria que a sua institucionalização se deu para acobertar a tortura e manter uma espécie de “fachada democrática”.

A legitimidade foi importante, mas nosso argumento é que, ao compor o ethos militar, a doutrina de segurança nacional com base na guerre révolutionnaire criou consenso quanto ao uso legítimo da tortura como método de obtenção de informações que se estendeu às demais instâncias repressivas do regime, incluindo a Justiça Militar em sua atuação como corte de exceção no julgamento dos crimes contra a segurança nacional.




A Justiça Militar atuando como justiça política trazia para dentro do tribunal a divisão entre amigo/inimigo.

O julgador não estaria mais numa posição equidistante entre as partes, mas representaria junto com os órgãos de acusação a vontade do Estado.

Nesse sentido, o consenso na tortura como elemento estratégico demonstraria a proximidade da instância judicial com as demais instâncias repressivas do regime - a polícia e, a partir da unificação do comando das ações repressivas em 1969, as Forças Armadas.

Fonte: http://www.anpocs.org/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=7996&Itemid=76

O "GENERAL" FRANCÊS QUE VEIO ENSINAR A TORTURAR NO BRASIL

O general francês que veio ensinar a torturar no Brasil

O general francês Paul Aussaresses, promotor do uso da tortura na guerra colonial da Argélia, foi adido militar no Brasil entre 1973-1975 e instrutor no Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), em Manaus, criado por oficiais brasileiros formados na não menos famosa Escola das Américas. Amigo do ditador João Figueiredo e do delegado Sérgio Fleury, Aussaresses já admitiu em livros e entrevistas a morte de um mulher sob tortura em Manaus, que teria vindo ao Brasil para espionar Figueiredo, e que a ditadura brasileira participou ativamente do golpe contra Allende. O artigo é de Eduardo Febbro.


DA GUERRA COLONIAL AO TERRORISMO DE ESTADO


Da guerra colonial ao terrorismo de Estado


The war on terrorism colonial state

La guerre contre le terrorisme colonial état

Война с терроризмом колониального государства

对恐怖主义的战争殖民状态

La guerra contra el terrorismo estatal colonial

Cuộc chiến chống khủng bố thuộc địa nhà nước


Os 55 dias da batalha de Dien Bien Phu, que determinaram a derrota do Exército francês pelos vietnamitas, abriram caminho para a descolonização da África, mas também para a “guerra suja” no Cone Sul.

Maurice Lemoine - Le Monde

 

Em 53, Dien Bien Phu estava cercado por seis batalhões franceses. Em maio de 1954, as tropas vietminh haviam feito prisioneiros os sobreviventes das tropas de retaguarda.


A resistência vietminh1 na Indochina começava seu oitavo ano. Em 20 de novembro de 1953, Dien Bien Phu estava cercado por seis batalhões de pára-quedistas franceses (nome de código: Operação Castor). Em 7 de maio de 1954, as tropas vietminh haviam feito prisioneiros os sobreviventes das tropas de retaguarda. Muita coisa foi relatada sobre esses 55 dias e 55 noites de pavor, heróicos (militarmente falando) de ambos os lados, mas descrevendo essencialmente os acontecimentos a partir do campo francês2.

Finalmente, nos é dado conhecer o ponto de vista vietnamita com a obra do general Vo Nguyen Giap, comandante-em-chefe do exército popular do Vietnã durante 30 anos e um dos principais atores da batalha. Meio século depois, ele faz um relatório preciso e detalhado, acrescido de seus próprios julgamentos e reflexões3.

vietminh escolheu então o Noroeste para sua próxima ofensiva. “As autoridades francesas tinham perdido todas as esperanças de ganhar a guerra”, escreve Giap. “Mas continuavam convencidas de que tinham o tempo necessário para reunir as condições que permitiriam pôr fim às hostilidades com vantagem para elas”.

Embora os franceses contassem então com o apoio dos norte-americanos (a ajuda de Washington já cobria 73% das despesas), não tencionavam ceder-lhes o lugar na Indochina. Com essa finalidade, o corpo expedicionário devia obter um sucesso militar decisivo.

 

Maior feito de um povo oprimido

 

Nessa guerra ignorada ou amaldiçoada pela população francesa “os brancos usam os negros para proteger os amarelos contra os vermelhos”

O Estado-Maior francês descobriu os preparativos das forças populares no Noroeste. O general Henry Navarre decidiu cortar-lhes o caminho e derrotá-los na bacia de Dien Bien Phu, vasto celeiro de arroz situado a 300 quilômetros de Hanói, centro comercial que permitia as ligações entre a região média do golfo de Tonquim, o Laos, a Tailândia, a Birmânia e a China.

A continuação é narrada por Giap: “Se conseguíssemos encaminhar sem transtorno armas, munição e os soldados da artilharia, já poderíamos considerar 60% da operação como bem sucedida”. Isso foi feito. O general dirigiu aos futuros combatentes a seguinte mensagem: “Vocês devem consertar as estradas, superar todos os obstáculos, vencer todas as dificuldades, combater sem nunca esmorecer, vencer o frio e a fome, transportar cargas pesadas através das montanhas e dos vales, e avançar até o campo do inimigo para aniquilá-lo e libertar nossos compatriotas...”


Sem nunca perder de vista o contexto geopolítico – segundo fontes vietnamitas e ocidentais – Giap descreve Ho Chi Minh “com um cigarro entre dois dedos4”, menciona a bandeira vermelha com a estrela de ouro, as tropas regulares regionais e as milícias da guerrilha, as intermináveis fileiras de soldados e jovens voluntários, os conselheiros chineses, o transporte de peças de duas toneladas em descidas abruptas de 30 a 40 graus e sob a ameaça da artilharia, o dilúvio de fogo que se abateu sobre a zona militar defendida por 12 mil homens perfeitamente equipados. Depois, a vitória, o maior feito já realizado por um povo oprimido.

“O que fizemos o inimigo padecer excedia a capacidade de resistência de homens que não sabiam para quem e por que razão combatiam.”

 

Sangue e lágrimas

 

A derrota de Dien Bien Phu e o cativeiro nos “campos de reeducação iriam marcar terrivelmente as mentes, sobretudo entre os mais graduados das tropas de elite”

Cinqüenta anos mais tarde, a pergunta continua. Como se chegou a essa palavra cheia de sangue e de lágrimas: Dien Bien Phu? É a isso que se esforça em responder Paul Boury, ex-oficial na Indochina e sobrevivente da batalha5.

Voltando a essa guerra ignorada ou amaldiçoada pela população francesa6 na qual “os brancos usam os negros para proteger os amarelos contra os vermelhos” (referência às origens étnicas e culturais extremamente variadas das tropas da União Francesa), ele explicita seu contexto e sua estratégia. Inicialmente, a das tropas de retaguarda, atribuída ao general Raoul Salan.

Essa teoria partia do princípio de que era conveniente atrair uma parte do corpo de batalha vietminh para uma posição na qual se apresentavam fragilidades tais que ele atacaria, mas na qual se seria forte o suficiente para, com a artilharia e a aviação, desferir ataques decisivos. No caso, o inimigo revelou um poderio superior ao que se havia avaliado.

Três objetivos foram determinados à retaguarda, lembra Boury: barrar o caminho do Laos (que assinara um tratado de defesa com a França); constituir um ponto de referência para as guerrilhas anticomunistas; e servir de ponto de partida contra as linhas de comunicação vietminh. Para a execução desse projeto, o general Navarre pediu mais efetivos e recursos.

O governo recusou concedê-los. Além disso, a decisão do comandante-em-chefe provocara reticências, por razões técnicas e táticas, de certos membros do Estado-Maior das Forças terrestres do Vietnã do Norte: “Neste país, não se barra uma direção. É uma noção européia sem valor aqui.

O Viet passa por qualquer lugar”. Prisioneiro da missão ambígua que lhe foi dada pelo governo, Navarre persiste e assume, lança suas tropas num combate em pouco tempo desesperado “que lhe pedirão que prossiga, com a desculpa da honra, contando com um socorro do exterior ou com um último recurso à diplomacia”.

 

Os “soldados perdidos”

 

Diante de um inimigo impossível de ser identificado, por estar disseminado entre a população, surge o conceito de “inimigo interno”

No contexto da Guerra Fria, o conflito na Indochina é considerado como um confronto entre forças comunistas e o “mundo livre”. Efetivamente, em Washington, observa Paul Boury, o Estado-Maior inter-exércitos, presidido pelo almirante Arthur Radford, visava a uma intervenção aérea com cerca de sessenta bombardeiros pesados B-29 (aviões de carga, pilotados por militares norte-americanos em civil, já desempenhavam um papel essencial no abastecimento em víveres e munição para o Grupamento Operacional do Noroeste- Gono).

“Sem que isso fosse explicitado de uma forma clara, a operação poderia consistir no lançamento de uma bomba atômica” (com o risco de destruir a guarnição ao mesmo tempo que os “Viets”!). O projeto fracassou. Para Washington, um apoio desse tipo ao esforço francês passava pela elaboração de uma coalizão ad hoc. “A situação não lhes permitia tomar parte no conflito diretamente”, lembra o general Giap.

“Se este se internacionalizasse, não lhes seria fácil levar junto seus aliados, já cansados devido à guerra da Coréia”. Por outro lado, os ingleses ocupavam Hong Kong e não queriam perder a oportunidade de melhorar suas relações com a China Popular.

Finalmente, os norte-americanos queriam aproveitar a derrocada do colonialismo francês para transformar os países indochineses em nações satélites. É essa a importância de Dien Bien Phu. Jean-Paul Sartre diria, pouco depois, em Les Temps Modernes de maio de 1954: “O heroísmo dos combatentes condena a política que o impôs.”

A derrota de Dien Bien Phu e o cativeiro nos “campos de reeducação7”, analisa o autor, “iriam marcar terrivelmente as mentes, sobretudo entre os mais graduados das tropas de elite (oficiais e suboficiais) que receberam diretamente o choque”. Retornando dos campos vietminh “com um duplo sentimento de injustiça e humilhação, sentiram-se cortados da Nação e absolutamente incompreendidos.

Os que se tornariam ‘soldados perdidos’ (mercenários), foram naturalmente levados a se referirem a uma ética específica, a construírem uma escala de valores que não mais correspondia, a não ser muito aproximativamente, àquela que era muito geralmente partilhada”.

 

O conceito de “inimigo interno”

 

Sem que se saiba, as imagens da batalha de Argel, em 1957, assemelham-se àquelas que serão vistas, na década de 70, na Argentina e no Chile

O fim dessa guerra (francesa) 8 inaugurou a era das independências obtidas pacificamente ou com luta, como na Argélia. Lançados nessa nova batalha, os oficiais “doentes da Indochina” (muitos vindos das fileiras da resistência ao nazismo) analisaram a técnica de guerrilha desenvolvida pelo vietminh.

Ela é apenas a face emergente de um programa político que se baseia no “controle ideológico das populações”, que se tornara a verdadeira questão da guerra, através de um sistema de “enquadramento das massas”.

Desde 1952, o coronel Charles Lacheroy, considerado um dos principais pensadores militares franceses da segunda metade do século XX, usa a expressão “guerra revolucionária”, que vai se tornar a marca registrada da “doutrina francesa”.

Numa sólida investigação, Marie-Monique Robin traça a história desta última e de seu desenvolvimento, pouco conhecido, na... América Latina9. Através dos nomes, familiares ou não – Roger Trinquier, Pierre Château-Jobert, Marcel Bigeard, Charles Massu, Paul Aussaresses –, ela conta como muitos oficiais passaram, sem (ou com) consciência, da resistência à “guerra suja”.

“Pois se o exército”, observa, “se empenha em tirar lições da guerra da Indochina, não é para se questionarem as raízes sociais ou econômicas dos movimentos nacionais nos países subdesenvolvidos ou a inevitabilidade da descolonização”.

Do ponto de vista desses militares, o conflito ultrapassa o âmbito colonial francês para inserir-se no confronto latente que opõe, por intermédio dos países, o Kremlin e o “mundo livre”.

Num caso tão perigoso quanto a guerra”, diria posteriormente o coronel Trinquier, “os erros causados pela generosidade são (...) a pior coisa. Como o uso da força física não exclui de forma alguma a cooperação da inteligência, aquele que a usa sem piedade e não recua diante de nenhum derramamento de sangue terá vantagem sobre seu adversário (...)10.

Diante de um inimigo impossível de ser identificado, por estar disseminado entre a população, surge o conceito de “inimigo interno”. A partir de então, um lugar preponderante é concedido tanto à “informação política” quanto à “ação policial”. E, na Argélia, quem dizia informação diria rapidamente patrulhamento urbano, interrogatórios e, finalmente, tortura.

Com o apoio implícito das autoridades políticas, incapazes de assumir suas responsabilidades, “esses exageros sistemáticos são a expressão de uma ‘revolução na arte da guerra’, considerada como resposta à ‘guerra total’ conduzida pelos rebeldes por meio de uma política de terror cujo ponto principal é a união das populações”.

 

De Argel à Argentina

 

É na Argentina – é preciso dizer que já estava predisposta – que o enxerto francês vai introduzir mais rapidamente o conceito de “inimigo interno”

Sem que se saiba, as imagens da batalha de Argel, em 1957, assemelham-se – a ponto de provocarem confusão – àquelas que serão vistas, na década de 70, na Argentina e no Chile.

É que a doutrina francesa assumiu uma dimensão transnacional, atraindo a atenção dos Estados-Maiores ocidentais. A partir de 1957, relata Marie-Monique Robin, alunos estrangeiros, dentre os quais numerosos latino-americanos, freqüentaram a Escola Superior de Guerra de Paris.

Em plena batalha de Argel, dois especialistas franceses chegaram a Buenos Aires, prelúdio de um acordo secreto assinado, em fevereiro de 1960, prevendo a criação de uma missão de assessores militares franceses na Argentina.

Nesse mesmo ano, uma “missão móvel” de oficiais franceses realizou uma turnê sul-americana, enquanto La guerre moderne11, do tenente-coronel Trinquier, “se tornou a Bíblia de todos os especialistas, da Argentina ao Chile, passando pelos Estados Unidos”.

Em 1961, um pouco antes do putsch de Argel, o comandante Aussaresses foi instrutor em Fort Bragg, nos Estados Unidos. Como adido militar, daria, posteriormente, cursos no Brasil, em 1973.




É na Argentina – é preciso dizer que já estava predisposta – que o enxerto francês vai introduzir mais rapidamente o conceito de “inimigo interno”. Segundo Robin, ele pôde contar, nesse país, com o apoio de colaboradores e de franceses pró-Vichy que escaparam da justiça com a cumplicidade do Vaticano, de organizações como La Cité catholique, no interior da qual se destaca o “monge-soldado” Georges Grasset, ex-guia espiritual da Organização do Exército Secreto (OAS).

A gangrena iria se estender ao Chile e depois, através da Operação Condor12, à totalidade do Cone Sul, acrescentando-se à “doutrina de segurança nacional” professada pelos Estados Unidos.

Dessa forma, os franceses participaram, na América Latina, da implantação de uma matriz, a do terrorismo de Estado.

(Trad.: Regina Salgado Campos)

1 - Organização política (Liga para a Independência do Vietnã) formada em 1941 por nacionalistas que apoiaram, até 1951, o movimento comunista da Indochina.

2 - Ler, entre outros, de Jules Roy, La bataille de Dien Bien Phu, ed. Julliard, Paris, 1963, e, de Bernard Fall, Diên Biên Phu, un coin d’enfer, ed. Robert Laffont, Paris, 1968. Mais recentemente, de Guy Leonetti (org.), Lettres de Diên Biên Phu, ed. Fayard, Paris, 2004.

3 - Mémoires 1946-1954. Diên Biên Phu. Le rendez-vous de l’histoire, general Vo Nguyen Giap, ed. Anako, Fontenay-sous-Bois, 2004, 346 pp., 19 euros.

4 - Ler também, de Pierre Bricheux, Hô Chi Minh, Biographie, ed. Payot, Paris, 2003.

5 - Paul Boury, Dien Bien Phu. Pourquoi? Comment? Et après? Editions Clea, Dijon, 2004.

6 - Segundo uma pesquisa IFOP realizada em fevereiro de 1954, 80 % dos franceses consideravam conveniente, com ou sem negociações, pôr um fim ao conflito.

7 - Dos combatentes de Dien Bien Phu, 11.048 foram feitos prisioneiros, dentre os quais 7.708 morreram no cativeiro (duas vezes mais do que durante os combates).

8 - Sobre a guerra do Vietnã norte-americana, ler, de Christopher Goscha et Maurice Vaïsse (org.), La guerre du Vietnam et l’Europe, 1963-1973, ed. Bruylant/LGDJ, Bruxelas-Paris, 2003.

9 - Ler, de Marie-Monique Robin, Escadrons de la mort, l’école française, ed. La Découverte, Paris, 2004.

10 - Ler, de Roger Trinquier, Guerre, subversion, révolution, ed. Robert Laffont, Paris, 1968.

11 - Ler, de Roger Trinquier, La guerre moderne, ed. La Table Ronde, Paris, 1961.

12 - Quanto à operação Condor, ler de Pierre Abramovici, “Opération Condor, cauchemar de l’Amérique latine”, Le Monde diplomatique, setembro de 2001.

Fonte: http://diplo.org.br

sábado, 9 de fevereiro de 2013

CRIANÇAS SAHARAUIS: UM EXEMPLO PARA O MUNDO


CRIANÇAS SAHARAUIS: UM EXEMPLO PARA O MUNDO 

Ano novo, vida nova, será?






Este blog, como vocês sabem, tem objetivos bem definidos:

1. Divulgar a causa Saharaui;
2. Buscar o reconhecimento do Estado Saharaui como nação independente pelo Brasil;
3. Pressionar a Espanha, França, Portugal e EUA, para que renunciem aos interesses escusos que os mantém ligados umbilicalmente ao regime genocida de Mohamed VI, Rei do Marrocos.

Ao longo deste ano garimpamos, isto mesmo, garimpamos na imprensa nacional e internacional, notícias sobre a situação do Povo Saharaui.

Apesar do apego da imprensa as notícias sobre tragédias, o extermínio dos Saharauis não desperta nenhum interesse. Assim, a vida privada das celebridades, o acidente na Fórmula 1, o título mundial perdido, a novela das 9:00, o replay interminável dos gols feitos e perdidos e os bolas muchas e os bolas cheias, inundam nossas casas num besterol que parece não ter fim.

O processo de infantilização do povo caminha a passos de gigante.

Os mesmos meios de comunicação que trabalham matérias sobre tragédias pretéritas, com o nobre intuito de que o conhecimento das atrocidades praticadas no passado não se repitam, criminosamente calam diante do extermínio do povo Saharaui no presente.

Ora, como poderia um muro de 2.500 KM de extensão, guarnecido por 150.000 mercenários fortemente equipados com armamento Francês, dividindo um país de norte a sul, segregando um povo em cárcere privado dentro do seu próprio teritório, ser manchete e provocar o repúdio mundial?

Como poderia milhões de minas terrestres serem colocadas ao pé deste infame muro para evitar que os legítimos donos da terra transitem livremente, provocando mutilações e mortes aos milhares de um povo indefeso, ser manchete e provocar o repúdio mundial?

Como poderia a tortura praticada nos porões das prisões Marroquinas, contrariando e colocando a mostra toda a hipocrisia da política de Direitos Humanos apregoadas e não praticadas pela União Européia e EUA, ser manchete e provocar o repúdio mundial?

Como poderia a conduta do governo brasileiro que apoiou energicamente o direito do Irã produzir energia nuclear, enfrentando posição contrária das potências mundiais, e mantém posição de neutralidade em relação a independência do Povo Saharaui - última colônia da África - e ao seu Direito à Liberdade, ser manchete e provocar o repúdio mundial?

Como poderia o PT ser governo durante oito anos, agora mais quatro, esquecer uma das resoluções do seu terceiro Congresso, quando apoiaram expressamente a independência do povo Saharaui e após assumirem, negarem este sagrado direito ao povo Saharaui e a própria incoerência na defesa da liberdade ser manchete e provocar o repúdio mundial?

Como poderia a França continuar vendendo armas ao Marrocos para garantir a continuidade da opressão ao povo Saharaui, a Espanha continuar roubando fosfato das minas Saharauis, Portugal e outros gatunos europeus continuarem pescando no litoral Saharaui, maior banco pesqueiro do mundo, pagando pedágio ao genocida Mohamed VI, enquanto as crianças Saharauis nunca viram um peixe e não tem o que comer, ser manchete e provocar o repúdio mundial?

O trato (trato porque contrato precisa ter objeto lícito e boa fé entre as partes) espúrio celebrado entre o Marrocos e seus comparsas Europeus, para espoliação dos recursos naturais abundantes na terra e no mar Saharaui, financia o enriquecimento ilícito de Mohamed VI e a presença do aparelho estatal de repressão, estacionado permanentemente na região.

Como vimos, parece que a palavra chave é COERÊNCIA.

Não há coerência possível enquanto a cobiça e a ganância das grandes potências, a omissão criminosa de países como o Brasil, mais a cumplicidade da imprensa internacional, prevalecerem sobre o direito à vida e à liberdade do povo Saharaui!!!

A reflexão sobre os fatos atuais não diminui nossa disposição para a luta. Nem poderia, pois, as vítimas diretas deste galopante processo de extermínio, o povo Saharaui, não se entregam, não correm da luta, não se curvam ao inimigo e mantém firme seu sonho invencível de liberdade.

Aos bravos combatentes Saharauis, às mujeres Saharauis de excepcional carácter e força frente às adversidades, às crianças Saharauis que não tem o que comer, não tem água, moram em tendas, frequentam escolas precárias, desconhecem a fauna, a flora, os rios, seu mar e mesmo assim são FELIZES, a nossa solidariedade, respeito e admiração à vossa causa, e o desejo que 2011 seja o ano da redenção deste bravo e heróico POVO.

Publicado em janeiro de 2011.