República Árabe Saharaui Democrática


O POVO QUE O MUNDO ESQUECEU


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Bem-vindos ao blog phoenixsaharaui.blogspot.com.br


A criação deste espaço democrático visa: divulgar a causa Saharaui, buscar o reconhecimento pelo Brasil da República Árabe Saharaui Democrática e pressionar a União Européia, especialmente a Espanha, a França e Portugal, mais os EUA, países diretamente beneficiados pela espoliação dos recursos naturais do povo Saharaui, para retirarem o apoio criminoso aos interesses de Mohammed VI, Rei do Marrocos, e com isto permitir que a ONU prossiga no já tardio processo de descolonização da Pátria Saharaui, última colônia na África.


Membro fundador da União Africana, a RASD é reconhecida por mais de 82 nações, sendo 27 latino-americanas.


Nas páginas que seguem, você encontrará notícias do front, artigos de opinião, relato de fatos históricos, biografias de homens do porte de Rosseau, Thoreau, Tolstoy, Emersom, Stuart Mill e outros que tiveram suas obras imortalizadas - enxergaram muito além do seu tempo - principalmente em defesa da Liberdade.


"Liberté, Égalité, Fraternité", a frase que embalou tantos sonhos em busca da Liberdade, é letra morta na terra mãe.


A valente e obstinada resistência do povo Saharaui, com certeza encontraria em Jean Molin - Herói da resistência francesa - um soldado pronto para lutar contra a opressão e, em busca da Liberdade, morrer por sua Pátria.


A Literatura, a Música, a Pintura e o Teatro Saharaui estarão presentes diariamente nestas páginas, pois retratam fielmente o dia-a-dia deste povo, que a despeito de todas as adversidades, em meio a luta, manteve vivas suas tradições.


Diante do exposto, rogamos que o nosso presidente se afaste da posição de neutralidade, mas que na verdade favorece os interesses das grandes potências, e, em respeito a autodeterminação dos povos estampada como preceito constitucional, reconheça, ainda em seu governo, a República Árabe Saharaui Democrática - RASD.


Este que vos fala não tem nenhum compromisso com o erro.


Se você constatar alguma imprecisão de datas, locais, fatos, nomes ou grafia, gentileza comunicar para imediata correção.


Contamos com você!


Marco Erlandi Orsi Sanches


Porto Alegre, Rio Grande do Sul/Brasil

quinta-feira, 28 de março de 2013

ARISTIDES DE SOUSA MENDES - O SCHINDLER PORTUGUÊS


SEGUNDA-FEIRA, 26 DE NOVEMBRO DE 2007

ARISTIDES DE SOUSA MENDES - O SCHINDLER PORTUGUÊS



Nos períodos negros da história em que há guerra, perseguição e assassínio de pessoas, grupos ou raças, somos confrontados com os valores morais que nos são ensinados no dia a dia, mas que nem sempre conseguimos fazê-los valer. Poucos conseguem aderir às decisões de coragem e de risco em momentos de flagelo da humanidade. Aristides de Sousa Mendes é um desses personagens da história que surgiram para sacrificar a sua vida pessoal em nome de milhares de vítimas da perseguição e intolerância humana. Contrariando ordens do governo que representava, contrário a conceder vitos aos judeus perseguidos pelo nazismo, Aristides de Sousa Mendes deixou a ética do coração falar mais alto do que a ética profissional, emitindo os valiosos vistos, que significaram para muitos a própria vida. Deve-se a este português a sobrevivência de milhares de judeus durante a perseguição nazista deflagrada na Segunda Guerra Mundial. Ele foi o Schindler ibérico.

Europa em Guerra

Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches nasceu em 19 de julho de 1885, em Cabanas de Viriato, próximo a Mangualde e a Viseu, Portugal. Filho de Maria Angelina Ribeiro de Abranches e do juiz José de Sousa Mendes. Licenciou-se ao lado do irmão gêmeo César, em direito pela universidade deCoimbra, aos 22 anos. Em 1908 casa-se com a prima Angelina, com quem iria ter 14 filhos. Ainda muito cedo entra para a carreira diplomática e em 1910 é nomeado cônsul em Demerara, na Guiana Francesa. O jovem cônsul vê o fim da monarquia portuguesa em 5 de outubro daquele ano, quando é proclamada a república. Com fortes convicções monarquistas, Sousa Mendes sofreria com as perseguições durante o governo de Sidónio Pais.
A carreira diplomática de Aristides de Sousa Mendes coincide com vários fatos históricos que mudaram não só Portugal, como o mundo. Passa pelo período da I Guerra Mundial (1914-1918) e pela ditadura de Salazar, iniciada no início da década de trinta e estendida por 41 anos.
Em 1933 Hitler sobe ao poder na Alemanha. Com a ascensão nazista, começa a perseguição aos judeus. Em 1938, com o apoio do povo austríaco, a Áustria é anexada à Alemanha. Dando continuidade à expansão germânica, em setembro de 1939, Hitler invade a Polônia. Em represália a Grã-Bretanha e a França declaram guerra à Alemanha. Está deflagrada a II Guerra Mundial. Em 1940 a Bélgica, a Holanda e a França são invadidas, iniciando o cerco ao povo judeu em todos os estes países sucumbidos. O êxodo de judeus, ciganos e outras minorias, acontece pelas estradas desses países. Em vôos rasantes, caças nazistas metralham as estradas onde se encontravam os grupos de fugitivos. Acossados pela perseguição alemã, restam apenas dois países da Europa ocidental para onde os israelitas ainda podem fugir: Espanha e Portugal, que permanecem neutros no conflito. A Espanha saía de uma sangrenta guerra civil que vitimara milhares de cidadãos. O governo de Franco tinha tido o apoio dos nazistas durante a guerra civil, portanto a sua neutralidade era simpática a Hitler. Franco impediu que os judeus se refugiassem em terras espanholas, não lhes concedendo vistos para entrar no país. Restava Portugal.

Cônsul em Bordéus

Durante a Segunda Guerra Mundial a posição do governo de Salazar sempre foi dúbia, com fortes traços de simpatia ao regime de Berlim. Lisboa tornara-se uma capital aberta aos espiões tanto nazistas como aliados. Dali partiam as fugas para o Marrocos, Américas do Sul e do Norte. A lavagem dos bens confiscados aos judeus (obras de arte, jóias) e aos povos conquistados, foram feitas pelos nazistas através da Suíça e de Portugal, conforme a história revelaria décadas mais tarde. A alta cúpula da igreja católica fecha os olhos para as atrocidades de Hitler. Os exércitos alemães são abençoados pelos clérigos antes de partirem para a guerra. O papa Pio XII seria acusado mais tarde de conviver pacificamente com o governo nazista. O povo israelita é deixado à deriva no continente europeu.
É neste contexto histórico que vamos encontrar, em junho de 1940, Aristides de Sousa Mendes, cônsul de Portugal em Bordéus, na França ocupada. Pelas ruas de Bordéus milhares de refugiados judeus buscam os consulados de Portugal e da Espanha. A esperança era fugir para estes países e de lá embarcar para a América. O consulado espanhol nega a entrada dos refugiados e, conseqüentemente, nega-lhes os vistos. A esperança está no cônsul português em Bordéus.
Em 16 de junho Sousa Mendes recebe o rabi Kruger, fugitivo da Polônia ocupada. Promete interceder diante do governo de Lisboa a favor dos milhares de judeus à porta do consulado. Não dá muitas esperanças, pois Lisboa não lhe respondera autorizando à concessão de vistos. Naquela noite decisiva acolhe o rabi e a família em sua casa. Na manhã seguinte Lisboa proíbe o cônsul de conceder vistos aos judeus. Sousa Mendes sabe que a recusa desses vistos resultaria no fim da única esperança daquele povo fugir aos trabalhos forçados nas fábricas nazistas, aos campos de concentração e à morte. Inesperadamente Sousa Mendes avisa ao rabi Kruger que dará vistos a todos. Entre os dias 17, 18 e 19 de junho, o cônsul português trabalha exaustivamente na concessão dos vistos. Ao lado de dois dos seus filhos, não pára sequer para comer. Nesses três dias cerca de trinta mil vistos foram concedidos, contrariando as ordens de Antonio Salazar.
Mas a benevolência e a coragem de Aristides de Sousa Mendes não pára por aqui. Em Bayonne o consulado português obedece às ordens de Lisboa, recusando conceder vistos. Intrepidamente Sousa Mendes se desloca até Bayonne, e como é superior ao cônsul dali, ele mesmo passa milhares de vistos a quem ali se dirige. Segue para Hendaye e procede igual. Mais vistos são concedidos.
No dia 24 de junho Aristides de Sousa Mendes recebe um telegrama de Salazar, a ordenar-lhe que se apresente em Lisboa para responder ao ato de indisciplina por ter concedido vistos abusivos aos judeus. Seria demitido sem direito à aposentadoria ou à indenização após mais de três décadas de trabalho à diplomacia do seu país.

Miséria e Desonra

A volta para Portugal é de punição e humilhação para o cônsul. Salazar jamais lhe perdoará o ato de indisciplina. A retaliação aos seus atos é tanta, que Sousa Mendes é impedido de exercer a sua profissão de advogado e os filhos são proibidos de freqüentar a universidade; seu irmão também diplomata, é afastado da profissão. Sem receber pensão do governo, Aristides de Sousa Mendes é remetido à miséria. O palácio do Passal, construído por seus antepassados fidalgos, alberga ainda os refugiados judeus que chegam a Portugal. Mas a miséria o leva a vender os móveis do palácio e a hipotecá-lo. A Comunidade Israelita de Lisboa auxilia o diplomata com alimentos e possibilitam a ajuda a alguns dos seus filhos para que possam ir para os Estados Unidos e para o Canadá. Aristides de Sousa Mendes é condenado à miséria e à desonra.
Com o fim da guerra em 1945, as atrocidades cometidas pelos nazistas ao povo judeu vieram à luz. Salazar recebe da comunidade internacional, todas as honras pela concessão dos vistos que possibilitou a sobrevivência de milhares de vidas. Aristides de Sousa Mendes entra com um pedido de reclamação ao governo português que o reabilitasse. Mas não lhe é concedido a reabilitação. Viúvo desde 1948, morre no dia 3 de abril de 1954, assistido apenas por uma sobrinha. Todos os seus filhos estão a viver nos Estados Unidos e no Canadá. Morre no ostracismo e na miséria, sem jamais obter o perdão do governo português.
Em 1967, em Nova Iorque, a organização israelita para a recordação dos mártires e heróis do Holocausto, Yad Vashem, homenageou Aristides de Sousa Mendes com a sua mais alta distinção: uma medalha comemorativa com a inscrição do Talmude “Quem salva uma vida humana é como se salvasse um mundo inteiro”.
Salazar impede que a imprensa portuguesa noticie a homenagem. Somente em 1998 o governo português reabilita Aristides de Sousa Mendes. O Palácio Passal, apesar de ter sido tombado recentemente, continua a ruir, a transformar-se em escombros, apesar de todos os projetos portugueses para restaurá-lo.
A função de um cônsul é ser porta-voz do seu governo e do seu país em terras estrangeiras, não importa que tipo de governo ele representa, democrata ou ditatorial. Segundo a ética kantiana, o dever do homem está acima do seu prazer e do seu bem-estar. Ao ir contra uma decisão do governo do qual era porta-voz, Aristides de Sousa Mendes deixou de ser ético para com o governo do seu país, mas foi ético para com a humanidade, o que prova que nem sempre as morais vigentes que formam os conceitos da ética como ciência são dignos do gênero humano.
Aqui a frase de Aristides de Sousa Mendes ao rabi Kruger, quando soube da sua demissão naquele verão de 1940, após conceder mais de 30 mil vistos a refugiados judeus e outras minorias perseguidas:

“Rabi, se tantos judeus sofrem por causa de um demônio não-judeu, também um cristão pode sofrer com o sofrimento de tantos judeus...”
Apesar de algumas biografias apontarem para uma suposta raiz judaica, tomando-o por cristão novo, Aristides de Sousa Mendes era cristão na mais antiga da sua genealogia. Um cristão velho a serviço da humanidade.


CRONOLOGIA

1885: Filhos de Maria Angelina Ribeiro de Abranches e do juiz José de Sousa Mendes, os gêmeos César e Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches nascem em Cabanas de Viriato, Distrito de Viseu, Portugal.
1907: César e Aristides licenciam-se em Direito na Universidade de Coimbra e depois seguem a carreira diplomática.
1908: Em Portugal, el-Rei D. Carlos e o príncipe herdeiro são assassinados. Aristides casa com a sua prima Angelina; o casal virá a ter 14 filhos.
1910: Aristides é nomeado Cônsul em Demerara, Guiana Francesa. Revolução de 5 de Outubro e proclamação da República portuguesa.
1911/16: Aristides Cônsul em Zanzibar, problemas de saúde para toda a família.
1914: Início da I Guerra Mundial.
1916: Portugal entra na I Guerra Mundial a favor dos Aliados.
1918: Termina a I Guerra Mundial com a vitória dos Aliados. Aristides é nomeado Cônsul em Curitiba (Brasil).
1919: Por causa das suas convicções monárquicas, Aristides é castigado pelo governo de Sidónio Pais.
1921/23: Aristides dirige, temporariamente, o Consulado de S. Francisco da Califórnia, cidade onde nasce o seu 10.º filho.
1924: Aristides Cônsul em S. Luís do Maranhão (Brasil). Depois, passa a dirigir, interinamente, o Consulado de Porto Alegre (Brasil).
1926: Aristides regressa a Lisboa para prestar serviço na Direção-Geral dos Negócios Comerciais e Consulares. Em Portugal, revolução militar do 28 de Maio conduzida pelo Marechal Gomes da Costa.
1927: A Ditadura Militar portuguesa nomeia Aristides Cônsul em Vigo.
1928: Salazar Ministro das Finanças.
1929: Aristides é nomeado Cônsul-geral em Antuérpia (Bélgica).
1930: Salazar presidente do Conselho de Ministros.
1936: O rei belga, Leopoldo III, condecora Aristides de Sousa Mendes, decano do corpo diplomático.
1938: Salazar nomeia Aristides de Sousa Mendes Cônsul de Portugal em Bordéus.
1939: A Alemanha de Hitler invade a Polônia, início da II Guerra Mundial.
1940: Contrariando as ordens de Salazar, Aristides de Sousa Mendes, no Consulado de Portugal em Bordéus, passa mais de 30.000 vistos a judeus e outras minorias perseguidas pelos nazistas. Salazar condena Sousa Mendes a um ano de inatividade e depois o aposenta sem qualquer vencimento.
1945: Termina a II Guerra Mundial. Aristides de Sousa Mendes dirige carta à Assembléia Nacional, reclamando (em vão) contra o castigo que lhe fora imposto pelo governo.
1948: Morre Angelina de Sousa Mendes.
1954: Assistido apenas por uma sobrinha, Aristides de Sousa Mendes morre «pobre e desonrado», no Hospital da Ordem Terceira, em Lisboa.
1967: Yad Vashem, autoridade estatal israelita para a recordação dos mártires e heróis do Holocausto, homenageia Aristides de Sousa Mendes com a sua mais alta distinção: uma medalha com a inscrição do Talmude «Quem salva uma vida humana é como se salvasse um mundo inteiro».
1998: A Assembléia da República e o governo português finalmente procedem à reabilitação oficial de Aristides de Sousa Mendes.

quarta-feira, 27 de março de 2013

RAPHAEL LEMKIM: ALÉM DO IMPOSSÍVEL

RAPHAEL LEMKIM: ALÉM DO IMPOSSÍVEL




UM CRIME SEM NOME



São Paulo, julho 2011


A IMPORTÂNCIA DA OBRA DE RAPHAEL LEMKIN PARA A ELABORAÇÃO DA CONVENÇÃO SOBRE GENOCÍDIO

Por CAMILA SOARES LIPPI

Introdução

A Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, de 1948, tem como objetivos obrigar seus Estados-partes a criminalizar o genocídio, a punir os seus autores, e a adotar sistemas de cooperação judicial para a repressão desse crime (CASSESE, 2008, p. 127-128).

Segundo esse tratado, seja o crime cometido em tempos de paz ou de guerra, o indivíduo que o cometeu deve ser julgado e punido. O tratado atualmente faz parte do direito consuetudinário internacional (OBOTE-ODORA, 1999), ou seja, como prática geral reiterada ao longo do tempo, e aceita como sendo direito, o que a torna obrigatória inclusive para Estados que não a tenham ratificado.

O objetivo deste artigo é analisar a importância da obra de Raphael Lemkin para a elaboração deste tratado, um dos mais importantes em termos de proteção internacional dos direitos humanos. 



A obra de Lemkin

A Convenção de 1948 sobre Genocídio provavelmente não existiria hoje se não fosse pelo jurista polonês Raphael Lemkin. Judeu, Lemkin perdeu vários membros de sua família, e teve de se mudar para os Estados Unidos como refugiado após a Alemanha invadir a Polônia, e lá passou a lecionar na Duke University e aprofundou seus estudos, que já havia começado a desenvolver enquanto estudante quando ainda era jovem, sobre algo ainda sem nome e cujo termo ele viria a cunhar depois: o genocídio (POWER, 2007, 14-29).

Na Conferência para a Unificação do Direito Penal de Madri, em 1933, quando trabalhava como Promotor em seu país, Lemkin apresentou à comunidade jurídica internacional os conceitos de dois novos crimes internacionais: barbárie (barbarism) e vandalismo (vandalism).

Barbárie seriam atos de extermínio dirigidos contra coletivos étnicos, religiosos ou sociais, por qualquer motivo. Dentre os elementos desse crime, estariam os seguintes: emprego de violência cruel; ação sistemática e organizada; a ação não se dirige contra pessoas determinadas, mas contra uma coletividade; a coletividade atacada está indefesa; e a intenção com que se realiza pode consistir em intimidação dessa população (LEMKIN, 1933).

Já o vandalismo seria um ataque visando uma coletividade que poderia assumir também a forma da destruição sistemática e organizada da arte e da herança cultural nas quais as características únicas daquela coletividade são reveladas. O autor do crime não estaria somente destruindo a obra, mas o símbolo da cultura de uma determinada coletividade (LEMKIN, 1933).

Porém, as idéias de Lemkin não foram acolhidas nessa Conferência de 1993. Ele enfrentou diversas dificuldades nesse sentido. Em primeiro lugar, o então Ministro das Relações Exteriores da Polônia, Joseph Beck, alinhado a Hitler, se recusou a permitir que Lemkin viajasse para Madri para defender suas idéias pessoalmente.

O trabalho de Lemkin teve que ser lido em voz alta por terceiros em sua ausência. Em segundo lugar, Lemkin não conseguiu muitos aliados que defendessem suas propostas. No período entre guerras na Europa, economicamente deteriorada devido à crise de 1929, e com Estados isolacionistas e nacionalistas.

Os Estados, no âmbito da Liga das Nações, falavam em "segurança coletiva", mas nesse conceito, não consideravam que estava incluída a segurança dentro do Estado. Os juristas presentes argumentavam que era algo que não acontecia com freqüência, não merecendo ser tipificado.

Os representantes alemães chegaram a se levantar em protesto à sua apresentação. Os conceitos expostos por ele haviam sido fortemente influenciados pelo massacre de armênios perpetrado pelos turcos, e pelo assassinato de judeus na Polônia em pogroms.

Então, em seu país natal, ele foi acusado de tentar melhorar a situação dos judeus na Polônia com sua proposta. O Ministro das Relações Exteriores do país o culpou por ter insultado os aliados alemães. Assim, logo após a Conferência, o governo anti-semita polonês o demitiu do cargo de promotor público adjunto, pois Lemkin se recusava a refrear as críticas que fazia em relação a Hitler (PEREIRA JÚNIOR, 2010, p. 78; POWER, 2007, p. 22).

Um discurso proferido por Churchill em 1941 teria ressoado em Lemkin, quando este já se encontrava refugiado nos Estados Unidos, de modo a levá-lo a procurar uma nova palavra, na qual pudesse aperfeiçoar os conceitos que havia apresentado em Madri, além de agrupar todos os aspectos da proteção do grupo vitimado, bem como as atuações sistemáticas que os atingiriam, tomando como exemplo aquelas perpetradas pelos nazistas com fim de extermínio em massa (PEREIRA JÚNIOR, 2010, p. 79). 


"We are in the presence of a crime without a name" (CHURCHIL, 1941).

Assim, diante da impossibilidade de encontrar um termo mais preciso, Lemkin cunhou o termo "genocídio", em obra seminal de 1944, denominada Axis Rule in Occupied Europe. Isso ocorreu no final da Segunda Guerra Mundial, quando o mundo se encontrava chocado perante os acontecimentos na Alemanha nazista.

Lemkin criou uma palavra que tinha o prefixo grego genos (que significa raça, ou tribo) com o sufixo de origem latina cídio (em inglês, cide), que deriva do vocábulo latino caedere, que significa matar.

Ele caracterizou o delito de genocídio como uma velha prática que estava em sua etapa de desenvolvimento moderno, constituída por um plano coordenado que busca a destruição das bases fundamentais da vida dos grupos atacados, destruição essa que implica usualmente a desintegração das instituições políticas e sociais, da cultura do povo, de sua linguagem, de sua religião.

A destruição do grupo seria o objetivo principal desse crime. Os atos seriam sempre direcionados aos grupos, e aos indivíduos que são selecionados por fazerem parte desses grupos (LEMKIN, 1944).

...

Fonte: Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011

Recomendo a leitura integral do texto que é acessado através do link:

http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1313028193_ARQUIVO_AimportanciadaobradeRaphaelLemkinparaaelaboracaodaConvencaosobreGenocidio.pdf

Ainda...

A Convenção estabeleceu o "genocídio" como crime de caráter internacional, e as nações signatárias da mesma comprometeram-se a "efetivar ações para evitá-lo e puní-lo", definindo-o assim:

Por genocídio entende-se quaisquer dos atos abaixo relacionados, cometidos com a intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial, ou religioso, tais como:

(a) Assassinato de membros do grupo;

(b) Causar danos à integridade física ou mental de membros do grupo;

(c) Impor deliberadamente ao grupo condições de vida que possam causar sua destruição física total ou parcial;

(d) Impor medidas que impeçam a reprodução física dos membros do grupo;

(e) Transferir à força crianças de um grupo para outro.

Do texto, extraímos a informação da resistência oferecida pelos aliados para ratificar as propostas de Lemkim, especialmente da França, sempre a França, e dos Estados Unidos, cuja adesão, com ressalvas, ocorreu somente após 40 anos.

No dia 5 de novembro de 1988, o presidente norte-americano Ronald Reagan - representando os "guardiões da democracia" - aderiu à Convenção das Nações Unidas para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio.

A assinatura dos termos da Convenção enfrentou muitos adversários internos fortes, os quais acreditavam que aquele documento infringiria a soberania dos Estados Unidos e seus Aliados. Um dos mais ferrenhos defensores da Convenção, o senador William Proxmire, do estado de Winsconsin, fez mais de 3.000 discursos no Congresso, de 1968 a 1987, defendendo a Convenção.


MOHAMED VI E SEUS COMPARSAS QUE SE CUIDEM!!!

ESTADOS UNIDOS E FRANÇA NÃO HESITAM EM TRANSFERIR RESPONSABILIDADES PARA SEUS VASSALOS TRAVESTIDOS DE SANGUINÁRIOS DITADORES...E DEPOIS, SUA FUGA ATÉ O BURACO MAIS PRÓXIMO SERÁ TRANSMITIDA AO VIVO NAS REDES DE TELEVISÃO  PARA O MUNDO TODO.

au revoir petit roi...


Sobre Raphael Lemkin (24 de junho de 1900 – 28 de agosto de 1959) 

Lemkin nasceu Rafał Lemkin no vilarejo de Bezwodne na Rússia Imperial, agora em Vilkaviškis districto da Lituânia. Não se sabe muito sobre a infância de Lemkin. Ele cresceu numa família polaco-judia e era um dos três filhos nascido de Joseph e Bella (Pomerantz) Lemkin. Seu pai era um fazendeiro e sua mãe era uma intelectual: pintora, linguista e estudante de filosofia com uma larga coleção de livros de literatura e história. Com sua mãe como influência, Lemkin se tornou perito em nove línguas com 14 anos de idade, incluindo francêsespanholhebraicoÍdiche e Russo.
Depois de graduado numa escola local de Białystok, ele começou o estudo de linguística na Universidade John Casimir em Lwów. Era lá que Lenkin começou a se interessar no conceito de crime, o qual mais tarde envolveria a introdução da idéia de genocídio, baseado em grande parte na experiência dos Assírios[1] massacrados no Iraque durante 1933 e no Genocídio Armênio durante a Primeira Guerra Mundial. Lemkin se transferiu para a Universidade de Heidelberg na Alemanha para estudar filosofia, e retornou para Lwów para estudar Direito em 1926, transformando-se em um preceptor em Warsaw na graduação.

Fonte: Wikipédia

domingo, 24 de março de 2013

24 DE MARÇO - DIA INTERNACIONAL PELO DIREITO À VERDADE


MOVIMENTO DE JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS/Brasil INFORMA:

Att,

Jair Krischke  Presidente
Movimento de Justiça e Direitos Humanos 

24 DE MARÇO - DIA INTERNACIONAL PELO DIREITO À VERDADE
                                                                                                                       
No dia 21 de dezembro de 2010, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou o dia 24 de março como o "Dia Internacional pelo Direito à Verdade em relação às Graves Violações dos Diretos Humanos e para a Dignidade das Vítimas".
A data foi escolhida por marcar dois gravíssimos fatos ocorridos na América Latina: o primeiro, o assassinato a sangue frio do Monsenhor Oscar Arnulfo Romero, bispo de El Salvador no ano de 1980, e o segundo, o Golpe de Estado na Argentina, em 1976, que vitimou mais de 30.000 pessoas naquele país.
A resolução aprovada pela Assembleia Geral tem como objetivo instigar os Estados Membros, as Organizações Internacionais e as entidades da sociedade civil de cada país a rememorar esse dia. Em alguns países da América Latina, é proclamado feriado; em outros, um dia especial de estudos em escolas e universidades.
No Brasil, até o momento, a data ainda não é rememorada. Por isso, neste Sábado Resistente lançamos o desafio à sociedade brasileira para a discussão e o comprometimento para que o dia 24 de março seja rememorado em todo o país, por meio da reflexão sobre nosso legado histórico e as graves violações aos Direitos Humanos tanto no passado como do presente.  

Description: Description: DSC - LOGO - NO CHANNEL (pos 4c)[4]DISCOVERY MOSTRA UM DOS PERÍODOS MAIS CONTROVERSOS DA HISTÓRIA BRASILEIRA NO ESPECIAL “A REDE CONDOR”
  • Especial com duas horas de duração, analisa as ações realizadas pelos militares durante a ditadura;
  • Entrevistados brasileiros falam sobre as suspeitas que relacionam a “Operação Condor” com a morte de políticos como João Goulart e Juscelino Kubitsckeck
A década de 70 é lembrada com um dos períodos mais controversos da história do Brasil e de outros países da América Latina. As democracias de muitos países da região foram derrubadas por sucessivos golpes de Estado que abriram caminho para violentos regimes militares. Detenções em massa, prisões clandestinas e desaparecimentos são apenas algumas das ações impostas pelos novos líderes para reprimir os opositores de seus objetivos. Neste contexto, aqueles que governavam o Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai formaram uma aliança político militar, mais conhecida como “Operação Condor”, cujo objetivo foi assegurar a continuidade destas ditaduras, neutralizando os diferentes grupos de esquerda: ALN no Brasil, Montoneros na Argentina, MIR no Chile e Tupamaros no Uruguai, entre outros.
No especialA REDE CONDOR, que será exibido domingo, 24 de março, às 21h30, o Discovery revela os bastidores desta sangrenta operação que perseguiu, torturou e assassinou centenas de milhares de pessoas. Os depoimentos de historiadores, investigadores, jornalistas e presos políticos trazem detalhes de como se formou e atuou esta rede de cooperação, desde seu início em reuniões secretas entre altos líderes militares até serem colocados em prática atos de extermínio.
Dividido em duas partes que serão exibidas em sequência, o especial com duas de duração relembrará por meio de dramatizações baseadas em fatos reais (todas gravadas em São Paulo) alguns dos casos mais emblemáticos nos quais as ações repressoras tiveram sucesso graças à força e brutalidade características da “Rede Condor”.
A primeira parte apresenta os acontecimentos que levaram à formação de uma aliança entre as ditaduras militares para neutralizar a ameaça socialista, detalhando também as principais ações realizadas dentro de cada país e como a troca de informação e experiências facilitou a criação de uma “metodologia de repressão” por toda a região.
A segunda parte mostra as ações realizadas por esta aliança por meio de dramatizações dos casos mais conhecidos relacionados à operação. Além disso, as suspeitas de que a “Rede Condor” pode ter tido relação com as mortes do político e jornalista brasileiro Carlos Lacerda e dos ex-presidentes João Goulart (exilado na Argentina) e Juscelino Kubitscheck serão analisadas. A produção traz depoimentos dos brasileiros João Vicente Goulart, filho do ex–presidente e presidente do Instituto João Goulart; do presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, Jair Krischke: e de João Ricardo Moderno, presidente da Academia Brasileira de Filosofia.
A REDE CONDOR é uma produção do Discovery realizada pela Mixer sob direção de Daniel Billio e direção geral de Rodrigo Astiz. Pelo Discovery, o especial foi produzido e supervisionado por Irune Ariztoy e Michela Giorelli.
Sobre a “Operação Condor”
No início da década de 1970, a “Operação Condor” conduzida pelos regimes militares sul-americanos para reprimir, torturar e assassinar seus opositores colocou em prática o chamado “terrorismo de estado”, que significou a morte e o desaparecimento de milhares de pessoas em seis países da América Latina: Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Uruguai e Paraguai.
Há inúmeras provas da cooperação entre os diferentes regimes militares, entre elas os “arquivos do terror” que foram descobertos em dezembro de 1992 no Paraguai e comprovavam a existência da “Operação Condor”. No entanto, alguns militares que comandaram aquelas ditaduras negaram veementemente que tal operação tivesse existido.
Em junho de 1999, o governo dos Estados Unidos tornou público documentos secretos que faziam referência à atuação da CIA e do Departamento de Defesa durante os anos 70 e 80 nos países da América Latina. Foram estes documentos que revelaram muitos acontecimentos assim como a participação do governo norte-americano em várias ações.
O Discovery é uma marca global dedicada a criar conteúdo de alta qualidade baseado na vida real. Sua missão é informar, entreter e satisfazer a curiosidade de seu público, através de uma programação variada nas áreas de ciência, tecnologia, natureza, história, aventura humana e cultura mundial.

Discovery está presente em mais de 200 países e territórios.

Coincidiendo con la visita de Ross a la ciudad de El Aaiún las fuerzas de ocupación marroquíes reprimen violentamente a manifestantes saharauis.

24 de MARÇO DE 2013

Coincidiendo con la visita de Ross a la ciudad de El Aaiún las fuerzas de ocupación marroquíes reprimen violentamente a manifestantes saharauis.


Las fuerzas represivas de ocupación marroquíes han violentado anoche una manifestación pacífica organizada por decenas de ciudadanos saharauis, entre ellos ex presos políticos y activistas de derechos humanos saharauis en la calle Smara del barrio Matal-la de la capital saharaui ,El Aaiún ocupado, informan fuentes del lugar.
En estas concentraciones que coinciden con la visita del Enviado Personal del Secretario General de las Naciones Unidas para el Sáhara Occidental, Sr. Christopher Ross a los territorios ocupados, los manifestantes saharauis durante la manifestación pacífica portaban la bandera nacional saharaui y corearon consignas exigiendo el derecho del pueblo saharaui a la libre determinación y el respeto de los derechos humanos en el Sáhara Occidental.

Los duros enfrentamientos entre el feroz y violento aparato policial marroquí y los manifestantes han causado víctimas entre los manifestantes saharauis, los cuales incluyendo activistas de derechos humanos y otras personas fueron detenidas y sometidas a malos tratos bien en las calles o en los coches policiales, asimismo parte de los manifestantes ha sido perseguida por la policía por las calles del barrio Matal-la.
Fuentes de activistas de derechos humanos informan desde el lugar que entre los saharauis manifestantes que sufrieron el acoso y la represión marroquí, el Sr. Sidi Mohamed Dadach ,presidente de la Comisión de la defensa del derecho del pueblo saharaui a la libre determinación, Mustafá Dah , miembro del Consejo de Coordinación de la Asociación Saharaui, Hasana Dueihi ,miembro de la ASVDH, el activista saharaui de derechos humanos Bachri bin Taleb, activistas saharauis de derechos humanos Abyei Abdul Aziz, Salouh Delal, Dagya Lagchar, Sultana Jaya, Hassan Dalil ,Salha Butinguiza, Mina Abaali,Leila Alili, Abdullah al-Sibai, Husseini Luali, Mohammed Jar, Ibrahim Daihani. Y Abdul Karim lamirkat.
Cabria recordar que elementos de la policía marroquí vestidos de civil han despojado de sus ropas a las activistas saharauis Mina Abu Ali, Laila Al-lili, Sultana Jaya, Galia Yumani , Embarca Aliyen y han sido acosadas sexualmente .





















Sahara Press Service.


terça-feira, 5 de março de 2013

Henri Alleg: "Os torturadores norte-americanos do Iraque são alunos dos franceses na Argélia"


Henri Alleg: "Os torturadores norte-americanos do Iraque são alunos dos franceses na Argélia"


Entrevista de Henri Alleg
a Néstor Kohan e Rémy Herrera
Henri Alleg.A partir de 1950 Henri Alleg [França, 1921] foi director do mítico jornal Alger Républicain, uma das principais vozes da imprensa que na Argélia apoiavam a luta do povo pela sua independência da França. Este jornal chegou a ser o de maior circulação em todo o norte de África (até 1965 vendia de 80 a 100 mil exemplares, enquanto o jornal da Frente de Libertação Nacional (FLN) Ech Chaab [O Povo] alcançava só os 15 mil.

Em Setembro de 1955 o Alger Rébublicain foi encerrado pelas autoridades coloniais. Em novembro de 1956, Henri Alleg, militante do Partido Comunista Argelino passa à clandestinidade. Fora emitido um mandato de captura contra ele. Em 12 de Junho de 1957 foi capturado pelos pára-quedistas franceses do general Massu, o temível corpo militar dos colonialistas. É selvaticamente torturado em El Biar, campo de tortura nos arredores de Argel. Henri resiste aos métodos mais selvagens, incluindo a “tortura científica” do pentotal. É em seguida transferido para o campo de concentração de Lodi. A partir desse campo, Henri Alleg faz chegar a França as suas denúncias sobre as torturas a que fora submetido. Escreve em finais de 1957 e, quase folha a folha vai-as fazendo sair clandestinamente da prisão até que o livro é publicado em Paris em Março de 1958.

O seu requisitório — apoiado por Jean-Paul Sartre e Gabriel Marcel entre outros importantes intelectuais, que assinam um manifesto de repercussão mundial — agita a sociedade francesa. Torna-se conhecido com o título La Question [1] . Jean-Paul Sartre escreve o prólogo onde traça um paralelo entre a tortura francesa na Argélia e as torturas nazis da Gestapo.

A "questão" era o nome que davam à tortura os pára-quedistas franceses magistralmente retratados no filme A batalha de Argel do realizador Pontecorvo. Entre os métodos utilizados por eles encontrava-se o de atirar prisioneiros vivos (com os pés metidos em cimento) dos helicópteros e fazer desaparecer pessoas. Os mesmos que foram utilizados anos mais tarde no Vietname e na maior parte da América Latina.

O Livro La Question publicado na Argentina com o título La Tortura. [Buenos Aires, editorial El Yunque, Agosto de 1974] foi traduzido em numerosos idiomas. Deu inclusive origem a filmes documentais e de ficção. Entre outros filmes o realizador Jean-Pierre Lledo fez Le Rêve Algérien O sonho argelino , 2003, França, Bélgica, Argélia], com o regresso de Henri Alleg à Argélia, o encontro com os seus antigos companheiros de militância, de jornalismo e de prisão, e a visita ao lugar onde foi torturado.

Breve mas contundente, La Question constitui sem dúvida um dos livros mais importantes da literatura política mundial. Pode comparar-se com Testamento sob a forca de Julius Fucik, esse outro grande revolucionário torturado que combateu contra o nazismo. Em ambos os casos, como em muitos testemunhos de sobreviventes à tortura militar na Argentina, no Chile, no Brasil, no Peru, na Guatemala, no Vietname, na Palestina ou no Iraque, o relato vem despido de enfeites melodramáticos. Escrevem-se simplesmente as palavras e narra-se o inominável: a bestialidade inaudita a que pode chegar o ser humano quando faz parte da engrenagem repressora do capitalismo, do colonialismo e do imperialismo. Não só no lado nazi, como mostram as fitas de Hollywood… mas também durante o que demasiado tempo se conheceu como "Mundo Livre" ou "Ocidente Cristão". Entre os torturadores nazis da Gestapo, os torturadores franceses da Argélia, os torturadores norte-americanos no Vietname e no Iraque e os torturadores argentinos da ESMA [Escola Superior de Mecânica da Armada] não há diferença alguma. Uma mesma degradação humana — produto do capitalismo e do seu domínio social —, comparticipada por "mestres" europeus e "alunos" americanos, envolve-os a todos na mesma porcaria e imundície.

Durante os últimos tempos, em notável coincidência com as torturas estadunidenses nas prisões do Iraque, a França sofre um novo abalo. O general Aussaresses, o coronel Bernard e outros genocidas franceses da guerra colonial, vieram à luz pública reivindicar os seus métodos de tortura na Argélia. A justiça burguesa abre-lhes processos judiciais. Não pelo que fizeram mas pela apologia verbal da violência! O crime deles não é, aos olhos da burguesia francesa, ter torturado e assassinado centenas de milhares de argelinos… mas dizê-lo em público. Henri Alleg veio contestá-los. A sua voz expressa o ponto de vista das vítimas, e todos os torturados e torturadas que apesar da barbárie que padeceram mantiveram alto os melhores valores da espécie humana. Especialmente a dignidade, essa que jamais tiveram os seus torturadores.

Quando La Question dá notícia das tremendas torturas a que foi submetido Henri Alleg e o modo como ele conseguiu resistir e sobreviver, os leitores imaginam que o autor deve ser um homem altíssimo e com corpo de atleta. No entanto, quando o conhecemos acontece algo semelhante ao que aconteceu com Gramsci. Os seus companheiros de prisão contam que quando chegou ao cárcere fascista, ninguém o acreditava. Perguntaram-lhe o nome. Ele respondeu: "Sou António Gramsci". Eles responderam-lhe: "O senhor não pode ser Gramsci. É demasiado pequeno. Gramsci tem que ser um gigante". Quase idênticas palavras podem repetir-se para o caso de Henri Alleg.

Ao conversar com ele vem ao primeiro plano a nobreza, a coerência e o humanismo daquilo a que Che Guevara sintetizou com palavras inequívocas como: "os sonhos honestos dos comunistas do mundo". Do comunismo entendido, não apenas como um projecto político de revolução mundial, mas também como uma nova ética e uma nova maneira de viver segundo os princípios. Exactamente o contrário da dupla moral, do duplo discurso e o cinismo daqueles senhores hierárquicos, elitistas e afastados do povo, que durante tempo mancharam a bandeira vermelha da revolução com o triste cinzento da burocracia, da geopolítica, e da mediocridade enquanto hoje se adaptam ao capitalismo sem pena nem glória.

Henri Alleg é hoje uma das grandes figuras, já lendárias, da luta revolucionária mundial. A sua obra jornalística e ensaística é prolífica. Além de La Question, escreveu: Prisioneiros de Guerra (1961); Cuba Vitoriosa (1963),Étoile Rouge et Croissant Vert: l'Orient Soviétique (1983) ; SOS America [2] (1985); A URSS e os judeus (1991);Requiem pelo Tio Sam (1991); O século do dragão [3] (1994); O grande salto para trás (1997) [4] ; e Retour à La Question (2001). Além disso foi co-autor de A Grande Aventura do Alger Républicain (1987) e dirigiu a redacção da obra em três volumes sobre a Guerra da Argélia (1981).

Com 83 anos e mais de meio século de militância aos ombros, Henri Alleg continua espalhando optimismo e esperança. Apesar do que sofreu e dos sete anos da sua vida que passou na prisão (entre a Argélia e a França), ri-se com vontade, conta anedotas e até faz humor quando conta as coisas mais horrendas que fizeram os militares colonialistas na Argélia. Se bem que se trate de uma personalidade histórica, este experimentado escritor e jornalista político não perde nunca a simplicidade. Continua a ser, depois de tantos anos e de tantas peripécias, um humilde militante da nossa causa, a revolução socialista mundial.

(Também participou desta entrevista o companheiro Luciano Álzaga, a quem agradecemos) 

P: As fotografias das torturas realizadas pelos norte-americanos em Abu Ghraib aos prisioneiros do Iraque percorreram o mundo. Não é a primeira vez. Outro escândalo semelhante acontece na base estadunidense de Guantánamo. Os torturadores franceses da Argélia foram mestres dos torturadores norte-americanos?

Henri Alleg: 
Os colonialistas franceses foram verdadeiramente professores de tortura tanto na América Latina como na África do Sul. Aí foram recrutados com o acordo das autoridades francesas para servirem de "mestres" na repressão, principalmente nos interrogatórios sob tortura. Efectivamente o que acontece no Iraque é uma versão do que havia sucedido na Argélia e noutros países, não apenas aqueles onde se desenrolou uma guerra mas também em todos os que estavam sob o domínio colonial. Evidentemente, durante as guerras coloniais tanto no Vietname como na Argélia, os torturadores franceses foram os professores de interrogatórios e tortura dos oficiais americanos. Este ensino realizaram-no eles nos próprios Estados Unidos, particularmente em Fort Bragg bem como na América Latina. Recentemente o jornal francês Le Monde falou da participação de oficiais franceses no Plano Condor implementado pelas ditaduras militares do cone sul latino americano. Estes antigos oficiais franceses haviam actuado na guerra da Argélia. Participaram no Plano Condor com a bênção e a natural autorização do governo francês.

P: Tanto as torturas realizadas pelos oficiais franceses como as que praticam os estadunidenses repete-se o caso da violação e das humilhações sexuais… 

Henri Alleg: Exacto. Um caso particular e peculiar da tortura tem a ver com as humilhações de carácter sexual. Durante a guerra da Argélia nunca ninguém falou disso. A tal ponto que nem eu nem os meus companheiros havíamos falámos. Os oficiais franceses, os militares colonialistas, tão pouco. Do lado argelino também houve um silêncio total devido à cultura de tradição islâmica. Por isso os argelinos mantiveram-se silenciosos quanto ao assunto. Na tradição argelina, e árabe de um modo mais geral, pensa-se que uma mulher violada está humilhada e suja. Não apenas ela, como pessoa individual, mas considera-se que toda a família foi humilhada. Uma destas mulheres argelinas, uma amiga minha, foi violada. Tem agora 72 anos. Contou-me que quando caiu na prisão — tinha então 17 anos — e contou da violação à mãe, que também estava na prisão, esta recomendou-lhe que não contasse a mais ninguém que fora violada. Nem ao pai, nem aos irmãos, nem a ninguém. Ninguém da família ou de fora da família. Que poderia acontecer? Pois, que a rapariga fosse expulsa da família e assim poderia perder absolutamente tudo. Este foi o caso de todas ou quase todas as prisioneiras argelinas em poder dos colonialistas franceses.

Muito recentemente houve mulheres de mais de 70 anos, com uma magnífica coragem, que revelaram terem sido violadas. Um oficial colonialista do exército francês revelou em Le Monde que todas as mulheres capturadas e feitas prisioneiras pelos militares franceses, numa proporção de 90% (noventa por cento) foram sistematicamente violadas.

P: Na retórica imperialista de George W. Bush, e nos grandes monopólios da comunicação que o defendem, costuma repetir-se até ao cansaço a palavra "terrorista" para designar qualquer dissidente radical. Nem sequer na campanha presidência dos EUA para a reeleição deixou de pronunciar-se este termo. Na sua opinião, quem são hoje os terroristas?

Henri Alleg: 
Sobre este tema penso que há que fazer uma diferenciação clara no interior do conjunto de pessoas que utilizam a acção violenta. Os que se levantam para lutar pela libertação de um país com os meios pobres e as poucas armas que possuem não são os mesmos que têm todo o poder militar do mundo. Já no tempo dos alemães, durante a Segunda Guerra Mundial, os nazis caracterizaram invariavelmente os seus opositores como "terroristas". Mas todos aqueles que combatem os nazis não são terroristas, são combatentes pela liberdade.

Um caso interessante acerca deste problema é o seguinte. Na Argélia existia um dirigente nacionalista que foi um herói da guerra anti-colonialista. Foi assassinado pelos militares na sua cela de prisão. Como tantas outras vezes o seu assassinato foi feito passar por "suicídio". Trata-se de Bem M'hidi. O oficial francês que dirigiu a sua execução havia dito a este herói da resistência: "Você é um terrorista. Você põe bombas, utilizando cestos transportados pelas mulheres argelinas". Ele respondeu ao oficial francês: "Se vocês me derem os vossos aviões bombardeiros e o napalm, eu dou-lhes os meus cestos…"

Então o que eles — os poderosos — denominam "terrorismo" é frequentemente o último meio que um povo tem para resistir. Os autênticos terroristas são eles, os militares colonialistas!

No entanto, certas acções que algumas vezes não são controladas, podem não ser positivas, como por exemplo fazer explodir bombas em qualquer lugar. Quando morrem civis nestas acções não pensadas, a acção é claramente negativa. Os dirigentes políticos de uma acção de resistência não podem promover nem admitir esta acções. Esta foi precisamente a posição dos comunistas argelinos, os quais recusavam tais acções.

P: O general Acdel Vilas, um dos genocídas argentinos responsável pela "Operação Independência" que tinha o objectivo de aniquilar a frente rural do Partido Revolucionário dos Trabalhadores - Exército Revolucionário do Povo (PRT-ERP), escreveu um diário de campanha que na altura não foi publicado. Vilas diz nesse texto que os seus mestres em contra-insurgência foram militares franceses. Cita expressamente o livro Subversão e Revolução do coronel Roger Trinquier. [Acdel Edgardo Vilas: Manual de Campanha. Tucumán de Janeiro a Dezembro de 1975. S/editorial, s/data] A mesma informação que Vilas fornece é reiterada por outro genocida argentino, o general Osíris Vilegas [ Temas para ler e meditar. Ds,As., Theoría, 1993] Mais recentemente volta a aparecer esta confirmação, agora pela boca do general Alcides López Aufranc, num documentário da jornalista francesa Marie-Monique Robin, intitulado "Esquadrões da morte. A escola francesa" [ Les escadrons de la mort: L´école française, 2003], lançado há pouco tempo na Argentina. Dado que o senhor é de opinião que exportar essa doutrina, os seus métodos de tortura e os seus especialistas em interrogatórios, foi uma decisão de Estado, quem foram concretamente os responsáveis em França?

Henri Alleg: 
Gostaria de fazer um esclarecimento prévio. Eu creio que a tortura não começa com a guerra. Antes da guerra, sempre no nosso jornal Alger Républicain muita gente foi presa pela polícia, tanto socialistas como comunistas e todos foram torturados. No Vietname aconteceu o mesmo. Quando na Argélia falámos disso, da tortura, o nosso jornal foi revistado e encerrado. O companheiro que no nosso jornal escreveu sobre a tortura, foi preso e condenado à prisão. O seu nome é Khalfa Woualem. Por denunciar e escrever sobre a tortura foi condenado a dois anos de prisão.

Assim, a tortura era uma arma do colonialismo mesmo antes de a insurreição começar. Até antes da guerra a tortura tinha uma dimensão artesanal. Durante a guerra colonial ou contra revolucionária a tortura adquire uma dimensão industrial.

Esta situação de falta de respeito pelos direitos humanos, antes e durante a guerra, promovida a escala industrial durante a guerra, tornou-se lugar comum em todos os governos de França. Tanto do governo socialista de Guy Mollet, como dos governos de direita que sucederam aos socialistas, assim como também sob o governo do general De Gaulle. Inclusivamente um governo que se denominou de "esquerda" encobriu e manteve o silêncio, deu a sua aprovação a todas essas acções de tortura e à sua exportação para a América Latina. Não se pode estabelecer uma diferença muito nítida entre os que dirigiram a guerra da Argélia, sejam de "esquerda" sejam de direita. Não há a mínima dúvida de que todos foram responsáveis!

P: Na narrativa de La Question descreve o método repressivo do desaparecimento dos prisioneiros argelinos às mãos dos militares franceses. Mais tarde esse método exportou-se e aplicou-se maciçamente na Argentina. Também no Chile, na Guatemala e no Peru e noutros países da América Latina. Quando é que se aplica primeiro a técnica repressiva do desaparecimento? Foi na Argélia? Talvez na Indochina?

Henri Alleg: 
Não creio que na Indochina o desaparecimento tenha sido muito referido nem que tenha havido muitos casos de desaparições. Mas na Argélia sim, foram já dezenas de milhares as pessoas que desapareceram. Por exemplo, uma coisa muito interessante é a seguinte. Em Argel, a capital da Argélia, encontrava-se o secretário geral da Polícia, Paul Teitgen de seu nome. Este funcionário, antes de ir para a Argélia, fora um militante da resistência na época da guerra contra a Alemanha. Fora preso e torturado pelos nazis. Fora deportado para o campo de Buchenwald. Anos mais tarde foi enviado para a Argélia. Ao chegar, não conhece nada do país. Conheço-o pessoalmente. Era um desses homens a que designamos por "apolítico". A sua tarefa não era fazer política. Era um patriota francês, um antifascista. Quando chega à Argélia o seu papel consistia em aplicar o regulamento no que concerne às prisões. Quer isto dizer que quando uma pessoa era presa pela polícia ou pelos pára-quedistas havia a obrigação de assinalar, de indicar os nomes, as condições da prisão, etc. Antes de transcorrido um mês havia a obrigação de informar o que sucedera com o prisioneiro. Ou a pessoa fora libertada — algo bastante raro, claro — ou fora deportada para um campo ou permanecera no cárcere. Depois de três meses ou dois meses e meio, somente na cidade de Argel, Teitgen constatou que dentre as pessoas prisioneiras… faltavam 3.026 nomes! Então fez a pergunta: "Muito bem, o que é que se passou? Quero uma explicação". Não houve explicação… Teitgen compreendeu que estes desaparecidos haviam sido executados. Muitos foram abatidos, executados, fuzilados, sob o pretexto de "uma tentativa de fuga". Dentro destes números existiam tais tentativas de fuga, mas esses casos foram contabilizados como mortos. Os 3026 desaparecidos correspondem não a toda a guerra da Argélia nem a todo o país mas tão somente ao período de dois meses e meio e só na cidade de Argel. Teitgen apresentou a sua demissão e disse, de modo valente, o seguinte: "Eu não posso admitir a tortura, não posso admitir o mesmo que nos fizeram, a mim e ao nosso povo, os torturadores da Gestapo nazi". Demitiu-se.

P: Na guerra da Argélia foram assassinados quase um milhão de argelinos. Existiam campos de concentração como na Argentina ou matavam os prisioneiros directamente?

Henri Alleg: 
Existiam campos de concentração. Neles estiveram prisioneiros — no total — cerca de 30 mil pessoas. Havia vários tipos de campos de concentração. Havia, por exemplo, alguns campos muito duros destinados aos que fossem feitos prisioneiros com armas na mão. Eram os campos PAM (prisioneiros com armas na mão). Ali havia mortos, torturados, desaparecidos. Mas também havia outros tipos de campos, um segundo exemplo, em que a tortura também se praticou. Existia também um terceiro tipo de campos. Aqueles que funcionam como "vitrines" preparadas para receber as comissões, para mostrar que "os prisioneiros comem e dormem bem", "não gritam", etc. Eu estive em El Biar, um dos sítios "duros" de repressão e tortura, e depois estive um mês no campo de Lodi, um campo "vitrine", porque no meu caso houve uma pressão internacional tremenda. Mas mesmo nos campos "vitrine" os pára-quedistas foram autorizados a entrar e a tomar qualquer tipo de prisioneiros, torturá-los, se o seu nome tivesse aparecido em qualquer lugar. Não existiram muitos campos "vitrine".

P: Existiram povoados e aldeias que tenham funcionado como campos?

Henri Alleg: 
Houve povos inteiros fechados, exactamente como no Vietname, porque se considerou que o povo inteiro participava na luta. Não era exactamente um campo porque havia deslocamento da população. Os habitantes desses povoados, que na sua totalidade eram feitos prisioneiros, eram deslocados para outros povoados. Nesses povoados havia a proibição para toda a gente de sair do lugar onde estavam prisioneiros. Em alguns casos havia regiões inteiras consideradas "zonas proibidas". No norte da Argélia uma terça parte do território foi considerado "zona proibida". Os militares franceses tiveram o direito de sequestrar o povo e disparar contra qualquer pessoa que se movesse sem dar qualquer explicação. Houve um general que declarou que essas "zonas proibidas" foram muito boas, excelentes porque "tudo o que se move ali dentro é mau".

P: Qual era o objectivo da tortura? Que perseguiam os militares colonialistas, os pára-quedistas franceses, com o método da tortura e do desaparecimento?

Henri Alleg: 
Durante aqueles anos na Argélia desenvolve-se uma guerra particular. Quer isto dizer que não há muitas unidades combatentes em uniforme. O inimigo, para os pára-quedistas, são os patriotas. O inimigo, em consequência, é toda a gente. Por isso eles, os militares franceses, tiveram muito pouca informação — "informação" no sentido policial do termo — sobre o inimigo, isto é, sobre os patriotas. Que fazem então os militares? Pois vão à noite a um bairro onde estão os patriotas, no caso da Argélia esse bairro é árabe, e então arrebanham prisioneiros ao acaso. Capturam 100 ou 150 pessoas, tanto homens como mulheres. Fazem isso durante a noite. As pessoas estão seminuas. Levam-nos todos para uma casa de tortura que tem vários andares. Aí começam a bater em cada um deles. Dão pancadas atrás de pancadas. Imediatamente após a tortura de um prisioneiro, trazem outro. Um atrás do outro. Então, nesse caso, os militares torturam sem saber nada. Não é o mesmo que torturar um militante. Os militares chegaram a uma boa conclusão: a imensa maioria da população havia sido conquistada pelas ideias da insurreição, pelo projecto revolucionário dos patriotas. Como fazer se eles, os militares, não sabem nada e toda a gente apoia a insurreição? Então começam por dizer ao prisioneiro ou à prisioneira: "Tu não fazes nada. Mas de certeza que contribuis com dinheiro". Pancadas e mais pancadas. E continuam: "A quem é que dás a massa? Diz-nos quem é que te controla". O objectivo das torturas é reconstruir o organograma dos revolucionários. Então, aquando da tortura, pegam no prisioneiro ou na prisioneira e levam-nos, encapuchados, ao bairro. Aí dizem-lhe: "Denuncia a pessoa a quem entregas o dinheiro". Assim que conseguem capturar a pessoa que recolhe o dinheiro, levam-no e torturam-no. Dizem-lhe: "Tu és um tipo sem importância. Fazes poucas coisas". Então batem-lhe e voltam a bater-lhe. E em seguida perguntam-lhe: "A quem entregas tu o dinheiro que recolhes?". Assim vão reconstruindo até chegarem ao recebedor mais importante do bairro. Então torturam-no até darem directamente com a Frente de Libertação Nacional, a FLN, quer dizer, com a organização da luta armada. E foi assim o processo. O primeiro objectivo da tortura, era pois obter informação para reconstruir o organograma, subindo a cadeia até alcançar os comandos guerrilheiros. O segundo objectivo era implantar o terror. Repito: os autênticos terroristas são eles, os militares! Nos períodos de guerra popular toda a gente sabe que se cair prisioneiro, o torturam. E se o torturam, pode morrer. Isso era coisa que toda a gente sabia. Na realidade o terror havia sido implementado para se tornar dissuasivo.

P: Essa tortura generalizada não teve, no caso da Argélia, o efeito contrário?

Henri Alleg: 
Exactamente, conseguiu-se o contrário. Quem estivesse indeciso, quem não estivesse convicto para entrar na luta armada, quando os militares lhe assassinam o irmão ou o pai, acaba então por tomar a decisão e entra, ingressa na organização e assume a luta armada. Devido a esses mesmos métodos militares de repressão e tortura, acabou por se alimentar a fortalecer as forças de libertação.

P: Que papel desempenharam os marxistas na luta anticolonialista da Argélia? Esse papel foi a continuação da luta antinazi?

Henri Alleg: 
Em primeiro lugar é necessário esclarecer que a resistência antinazi na Argélia não teve a força que havia tido em França. Porque não havia forças de ocupação alemãs ou italianas no território argelino propriamente dito. Havia apenas missões alemãs ou italianas ao serviço do governo fantoche de Vichy. Na Argélia havia comunistas de origem europeia e foram caçados. Quando eu era jovem, já militava na juventude comunista. Durante esses anos ocupava-me em fazer propaganda. Mas nunca existiu um grau de resistência semelhante ao de França. Por exemplo, nunca houve ataques contra comboios ou contra soldados alemães.

Quanto aos nacionalistas que se integraram na luta pela independência da Argélia, o movimento nacional foi muito vacilante. Houve gente boa, bem intencionada e honesta contra o colonialismo francês. Mas essa gente não compreendeu realmente que a luta contra o nazismo e a favor da resistência francesa foi também a sua própria luta. Quer isso dizer que muitos pensaram que os inimigos eram os franceses, e os alemães eram inimigos dos franceses. Tiveram a ideia de que se os alemães não eram nossos amigos, também não eram nossos inimigos. Houve outros nacionalistas como Ahmed Messali Hadj que se recusaram a alinhar com os alemães e com o governo de Vichy. Esse tipo de nacionalista expressava: "Não quero que digam que sou um fascista".

Em segundo lugar, quanto ao papel dos comunistas na Argélia, convém recordar que a sua composição era muito variada, muito heterogénea, bastante plural. Havia muçulmanos, europeus, judeus, etc… A orientação do Partido Comunista era que não importa a origem étnica ou a religião a que se pertence, o importante é que todos e todas possam contribuir para fazer uma Argélia pluralista, onde cada um possa viver bem e sem problemas, independentemente da sua origem. Nós, comunistas, afirmávamos que só numa Argélia livre, independente do colonialismo, seria possível concretizar esse sonho. Todas as restrições coloniais eram terríveis na Argélia. Não apenas a tortura, mas também o analfabetismo e o desemprego foram liquidados juntamente com o colonialismo. A ideia era de que essa mudança teria que conduzir a uma Argélia livre e não converter esse país numa província francesa.

P: Os marxistas participaram na luta armada na Argélia?

Henri Alleg: 
Os marxistas, os comunistas, entraram e tomaram parte na luta armada sempre que tiveram oportunidade e possibilidade porque a situação variou muito de local para local. Por exemplo, no Leste da Argélia, onde o Parido Comunista teve força, a luta armada da libertação, começou desde muito cedo. Os comunistas estiveram nessa luta desde o primeiro dia. Mas houve muitos outros lugares onde se verificou um atraso no começo. Em consequência a luta nesses lugares adoptou uma forma mais pacífica. Mas os colonialistas franceses liquidaram rapidamente estas diferenças regionais. Dois anos e meio depois, todo o território da Argélia passou a estar igual e a participar igualmente na luta armada.

P: Como era a relação entre os dirigentes nacionalistas da Argélia e os comunistas?

Henri Alleg: 
Uma das coisas de que durante muito tempo não se falou e que começaram a discutir-se nos últimos tempos, é a atitude de alguns dirigentes nacionalistas da FLN — nem todos — que eram anticomunistas e muito sectários no que respeita aos companheiros comunistas. Por exemplo, havia alguns companheiros membros do comité central do PC e um deles foi um extraordinário, um magnífico combatente, muito famoso, que se havia formado nas Brigadas Internacionais em Espanha e tinha muitas acções de guerra no seu currículo, e quando ele e outro companheiro chegaram ao maquis nas montanhas da Argélia, foram executados. Os dois foram executados pelos dirigentes nacionalistas da FLN porque não quiseram assinar um papel onde se dizia "os comunistas são traidores, os comunistas não são verdadeiros argelinos". Os nacionalistas quiseram obrigá-los, dizendo-lhes: "Ou assinam ou matamo-los". Eles responderam que não queriam assinar uma coisa dessas contra o Partido Comunista e então foram degolados pelos nacionalistas. Cortaram-lhes a garganta. Estes dirigentes nacionalistas da FLN, muito sectários, tinham politicamente medo do desenvolvimento da influência do Partido durante a luta.

P: O senhor conheceu pessoalmente o Che Guevara. Como foram esses encontros e em que circunstâncias se deram?

Henri Alleg: 
O Che Guevara tinha viajado até Argel. Foi aí que o conheci. Se bem me recordo foi em 1963. Ele ficou bastante tempo, várias semanas. Por esse tempo Argel converteu-se numa espécie de ponto de encontro de todos os países e representantes de movimentos africanos que combatiam pela independência. Por isso era um lugar de passagem onde se procuravam informações. Era lógico que Ernesto Guevara ficasse lá durante algum tempo. Isso deve ter interessado ao Che porque pensava e andava à procura de um lugar em África onde se pudesse criar um bom maquis anti-imperialista onde dar início à luta armada. Nessa época a Argélia foi visitada por muita gente. Por exemplo, Carlos Bellibello, um famoso economista e analista político de Angola e quando nos encontrámos aqui há uns dias, demos um grande abraço e ele disse-me, depois de tantos anos: "Henri, nós tínhamo-nos visto na Argélia". De facto, ele tinha estado no nosso jornal. O mesmo aconteceu com Agostinho Neto e também com companheiros da África do Sul. Todos os que resistiam, passavam por Argel. Foi neste contexto que encontrei o Che Guevara. Vimo-nos várias vezes. A primeira vez, vi-o juntamente com um jornalista argelino no hotel. Outra vez, encontrei-o na embaixada de Cuba em Argel. Vi-o uma terceira vez mas não me recordo agora onde foi e da quarta vez o Che veio à redacção do nosso jornal. Eu tenho várias fotografias com ele na redacção do Alger Républicain. Lembro-me que quando nos encontrámos e conversámos com o Che, falávamos com ele com uma grande simpatia. O mesmo aconteceu a muitos jovens que trabalhavam comigo no conselho de redacção do jornal. Eles e eu tínhamos uma grande simpatia pessoal pelo Che Guevara.

P: Como via o Che Guevara o que então acontecia na Argélia

Henri Alleg: 
Foi um período muito complicado para os camaradas estrangeiros que estavam na Argélia porque se sentiam realmente surpreendidos perante a atitude dos dirigentes da FLN que afirmavam que "Cuba é magnífica!". Obviamente, o Che via isto com grande simpatia. Não foi por casualidade que foi ali mesmo que ele pronunciou o seu famoso discurso de Argel. Mas o Che não deixava de ter as suas próprias opiniões. Algumas afirmações e pontos de vista ideológicos dos dirigentes da FLN estavam em contradição com o pensamento marxista do Che. Alguns deles, por exemplo Ahmed Ben Bella — que era nacionalista — diziam a propósito dos camponeses que "A única classe revolucionária na Argélia, é constituída pelo campesinato". Por outro lado, não tinha a mesma opinião em relação aos operários e trabalhadores em geral. Para Ben Bella havia que ter atenção para não se cair no "perigo do obreirismo". Eram ideias de Franz Fanon, que havia sugerido que a classe operária do norte era"l'enfant chéri do colonialisme" ("o menino bonito do colonialismo"), isto é, que eram funcionais para o colonialismo. Evidentemente que tal coisa não estava de acordo com o que pensava o Che Guevara, que partilhava e havia formulado uma velha concepção leninista segundo a qual o camponês não vê mais longe do que a posse de um bocadinho de terra.

P: Qual foi o papel da mulher na luta anticolonialista da Argélia?

Henri Alleg: 
A situação das mulheres na Argélia fazia com que a simples ideia de elas empunharem armas e entrarem na luta armada parecesse impossível. Era inconcebível. Mas na tradição da luta anticolonialista da Argélia, durante o século XIX, existiram mulheres que empunharam os fuzis contra os colonialistas franceses. Mais tarde, no século XX, durante a guerra de libertação anticolonial, estes tabus ancestrais que pesavam contra as mulheres, desapareceram. Por exemplo, eram necessárias enfermeiras. Além disso, houve poucas mas existiram mulheres com educação que foram à escola e inclusive entraram em acção nos combates. Desempenharam um papel activo no combate contra os colonialistas. Mulheres que desempenharam um papel importante nas acções armadas dentro da cidade. Conheci-as. Houve necessidade de acções dentro das cidades, acções de inteligência. Além disso foi necessário transportar as bombas nos cestos das mulheres. Para compreender a acção das mulheres este aspecto é talvez o mais espectacular, mas não o fundamental. Há outros mais importantes. Os homens foram presos e encerrados em campos de concentração e em prisões. Estavam sob um controle muito mais duro do que as mulheres. Então, em vários casos, as mulheres tiveram que tomar o lugar dos homens: no trabalho com as crianças, para sair de casa, etc… Muitos homens não queriam que as mulheres saíssem. Teriam preferido que elas ficassem em casa… Mas se o homem não está, claro que é a mulher que tem de sair! Por exemplo, lembro-me de uma anedota. Uma vez eu estava na mesma cela da prisão com um camarada comunista, um líder sindical muito conhecido, muito amado, mas que tinha costumes muçulmanos. Um dia houve uma visita para ele no cárcere. Após ter ido à visita, este camarada regressa à célula e eu digo-lhe: "Viste algum fantasma? O que é que te aconteceu?" Estava branco. Disse-me então: "Foi a minha mulher". Para ele era uma coisa inacreditável que a mulher tenha ido sozinha… à administração colonial!..., ao comissário da polícia!..., para pedir… aos franceses!... autorização para visitar o marido. Para ele foi uma surpresa. Não só ela havia tomado conta da casa, mas além disso fez todo o necessário na administração colonial francesa para o encontrar a ele e vê-lo, para encontrar o marido prisioneiro. E este foi o caso de muitos outros. Isto repetiu-se sem dúvida, durante a luta anti-colonialista.
P: Que aconteceu depois da independência da Argélia com a situação das mulheres?

Henri Alleg: 
Assim que se obteve a independência do domínio colonial, julgou-se que tudo o que se tinha conquistado durante a guerra de libertação, respeitante à emancipação da mulher, se poderia conservar. Mas logo se retomou o controle por parte das forças reaccionárias. Há a seguinte anedota a respeito disso. O edifício do nosso jornal, o Alger Républicain, tinha um varandim. Precisamente em frente do nosso, havia outro varandim que pertencia ao Ministério da Agricultura. Em 8 de Março de 1963 houve uma manifestação imensa de mulheres exigindo os seus próprios direitos, bem como a independência, a luta de libertação do povo argelino, etc. Era uma manifestação de mulheres com véu e de mulheres sem véu. Todas misturadas. E também com os tradicionais gritos árabes. Eu estava no varandim do jornal com outros companheiros comunistas, muito jovens, olhando esta manifestação de mulheres. Os companheiros viam mobilizarem-se as suas mulheres, as suas mães, as suas irmãs, etc. Estes companheiros jovens, comunistas, estavam muito entusiasmados. Mas em frente ao nosso, no outro varandim onde estavam os funcionários do Ministério da Agricultura, estes tinham um ar absolutamente descontente. Olhavam aquilo como qualquer coisa de feio, como algo de mau. Elas iam já três quilómetros à frente dos seus maridos! Três dias depois encontrei-me com uma amiga que não era comunista mas tinha participado naquela manifestação. Pois bem, acontece que ela foi chamada ao comissariado da polícia e lá disseram-lhe: "Ouvimos-te gritar 'os maridos para a cozinha!' ". O que esses polícias fizeram foi uma coisa estúpida, mas não deixa de ter o seu significado…

P: E o que é que significa?

Henri Alleg: 
Creio que os homens reaccionários, depois da independência, pararam o movimento. Sobretudo existe um código da família que manteve as coisas como antes, inclusive as coisas mais estúpidas. Em particular, por exemplo, essa coisa de as mulheres que querem um passaporte não poderem obtê-lo sem o acordo do marido, do pai ou do irmão macho. Se ela se quer divorciar ou separar do marido, acontece o mesmo. Algo semelhante se dá com a herança económica: se há um filho do sexo masculino tem direito, se há uma filha, não tem direito. Isso foi muito criticado. Na Argélia há muitas mulheres progressistas, está claro, há mulheres deputadas, há mulheres ministras, mas o fundo reaccionário não mudou, não foi liquidado pela independência. Continua a autoridade masculina, de resto, pior ainda do que nas sociedades da Tunísia ou de Marrocos. As mulheres viram-se bastante frustradas, pois produziu-se esse movimento de avanço e logo a seguir veio um retrocesso, uma reacção.

P: O que se passa a respeito da relação dos argelinos religiosos com os não religiosos, em particular com os marxistas?

Henri Alleg: 
Julgo que isso não era contraditório. Por um lado havia a vontade dos dirigentes da FLN, dos mais sectários, dos que levaram o movimento para a reacção, mas ao mesmo tempo havia as ideias das massas populares que tiveram várias ideias preconcebidas (entre outras o machismo). Mas de modo geral, se se tomar como referência a orientação geral do movimento que tem como núcleo o FLN, aí nunca houve ideias islâmicas cerradas e intolerantes, que apelassem à morte dos não muçulmanos. Isso nunca aconteceu. Pelo contrário. Os elementos mais simples e humildes da população mostraram uma enorme tolerância religiosa. De modo mais geral, isso predominou na tradição da Argélia. Sem idealização. Nunca houve na Argélia "progroms" contra os judeus. Por exemplo, a grande figura que foi Abd el-Kader, o grande líder contra a colonização francesa, teve um ministro judeu nas relações exteriores. E isso em 1830! Na Europa, por essa mesma altura, era coisa que não se via…

P: Uma vez que o senhor é marxista, como é que viu a questão religiosa?

Henri Alleg: 
Apesar do que acontece depois na Argélia com os massacres islâmicos, intolerantes e completamente reaccionários, há algumas anedotas que exemplificam isso de modo bastante claro. Lembro-me, por exemplo do que sucedeu noutra prisão — diferente da que mencionei antes. Nesse cárcere havia 100 ou 120 camponeses, todos encerrados no mesmo pavilhão carcerário. Entre eles havia uns 10 europeus. Os dez eram comunistas. Os prisioneiros árabes argelinos sentiam-se muito surpreendidos por verem europeus no grupo de prisioneiros. Surpreenderam-se porque eram camponeses. Nas cidades era um pouco diferente, havia uma mistura de árabes e europeus, mas no campo não. Nas cidades, se bem que os argelinos tivessem ideias um tanto racistas, sabiam perfeitamente que os europeus podiam lutar juntamente com eles. Mas os camponeses não sabiam isso. De maneira que, na prisão, os camponeses argelinos perguntaram: "Mas quem são eles? Quem são estes europeus?". Estavam totalmente espantados ao verem europeus que, como eles, também sofriam a prisão. Não conseguiam acreditar! Então um dia, um dos velhos camponeses argelinos, pediu entre os prisioneiros um tradutor que lhe traduzisse em perfeito árabe e em perfeito francês o que ele queria expressar. E o que comunicou este camponês argelino? Pois disse aos comunistas que, apesar de serem europeus, estavam presos como ele, o seguinte: "Vocês, creiam ou não creiam em Deus, queiram-no ou não, irão para o Paraíso, e irão antes de nós! Sim, vocês vão para o Paraíso antes de nós!" [grandes risadas de Henri Alleg]. Isso foi uma clara demonstração de tolerância e de simpatia para com a luta dos seus companheiros, os comunistas.

P: Como foi possível que essa tolerância desse lugar ao fanatismo religioso?

Henri Alleg: 
Sim, na realidade há uma diferença dramática entre aquela época e o que sucedeu muitos anos depois, quando na Argélia aumentou a intolerância e se produziram massacres, e houve matanças de religiosos frades. Antes, ninguém havia tocado neles, mas na guerra recente acabaram degolados, com a garganta cortada. Isso foi um golpe para os próprios argelinos. Eles mesmos, os argelinos, disseram: "Estes assassinos, emporcalham a nossa cultura e as nossas tradições".

P: Tanto na actual guerra do Iraque como antes na da Argélia, as potências colonialistas utilizam como pretexto o fantasma do Islão como sinónimo de fundamentalismo. Quando é que surge o fundamentalismo na Argélia?

Henri Alleg: 
O fundamentalismo muçulmano apareceu na Argélia em 1992, há pouco mais de uma década. Não tem então nada a ver com o desenvolvimento do processo durante 30 anos depois da independência da Argélia como alguns fizeram crer. Como explicar esta vaga actual de fundamentalismo e sobretudo esta integração de jovens que deram a vida pelo fundamentalismo? A primeira, a mais importante razão, é a situação económica e política do país que criou as condições para o desenvolvimento do fundamentalismo islâmico. A luta pela independência provocou um entusiasmo geral, uma tremenda esperança. Na Argélia, a questão das classes sociais era simples. Existiam os muito, mas muito ricos, que eram todos europeus juntamente com alguns feudais aliados dos europeus, e do outro lado, a imensa maioria dos argelinos com diferenças de classe que eram mínimas entre eles. A aspiração à libertação nacional significou também a aspiração à emancipação social. Queria-se mudar as coisas, criar uma Argélia nova: uma Argélia socialista! A palavra "socialista" apareceu de um modo espontâneo na boca de toda a gente durante esses anos. O projecto de uma Argélia socialista! Toda a gente falava de uma Argélia socialista. Mas o movimento foi dirigido por uma pequena burguesia que pouco a pouco foi enriquecendo até se tornar milionária. Tudo isso provocou uma decepção imensa nos mais pobres, sobre tudo nos jovens. Os que mais sofreram foram eles, os jovens. Actualmente, e desde os anos 90, o desemprego atinge um índice que oscila entre os 30% e os 40% dos jovens. No interior da Argélia, no campo, o desemprego atinge os 60%. Existe uma vontade de fugir e sair desta situação. Se um jovem gosta de uma rapariga, não podem viver juntos. Isso não é viável nessa sociedade. Porque tem de dar dinheiro ao pai, arranjar uma casa e tudo isso. Como estas condições não existem, os jovens vivem sob uma pressão muito forte. O que é mais, os jovens não podem ter mulheres. Isso gera um grande mal estar. Em Outubro de 1988 houve uma manifestação em Argel, a capital da Argélia, numa época de mudança. Era no tempo do dirigente Chadli Bendjedid que deu ordem de fogo sobre a manifestação. Houve nesse momento — e isto está confirmado — pelo menos 500 mortos em Argel. A maioria eram jovens. A manifestação não tinha grandes objectivos políticos, nem reivindicações muito explícitas. Queriam pão, queriam trabalho e tiveram um massacre. Isso teve uma repercussão tremenda em Argel e em todo o país. Precisamente a partir desse acontecimento os islamistas começaram a crescer e a desenvolver-se com uma lógica de argumentação muito simples: "O socialismo foi destruído, é uma porcaria. Logo, se a opção não é o socialismo, tem que ser o liberalismo. O que é que nos trouxe o liberalismo? Nada. Aí o tens à tua frente. Mataram os jovens, fuzilaram-nos. Então o problema vem daqueles que dirigem a Argélia, dos que imitam o Ocidente e o tomam como modelo. Obrigam-nos a esquecer que somos muçulmanos. A única solução é abandonar todas essas ideias e concentrar-se no regresso ao Islão…". É essa a lógica que permite compreender o que se passa na Argélia.

P: Os fundamentalistas islâmicos desenvolveram-se de forma isolada ou contam com apoio externo?

Henri Alleg: 
Existiu esse terreno de frustração, de rejeição, de desgosto a respeito do poder político, e toda esta situação facilitou o trabalho dos islamistas, o desenvolvimento do islamismo. Mas ao mesmo tempo os islamistas contaram com apoios, especialmente fora da Argélia. Uma coisa interessante a destacar é que na Argélia houve muitos estrangeiros, representantes de empresas ou cooperantes e houve franceses, italianos e jugoslavos assassinados. Gente de muitas nacionalidades. O que surpreende é que nunca houve um único estadunidense assassinado… Em Inglaterra os ingleses deram, paulatinamente, autorização aos islâmicos (por exemplo, para abrirem representações) que anteriormente eram proibidos nesse país, assim como o tinham sido na Argélia. Um desses grupos foi a Frente Islâmica de Salvação (FIS). Aliás, mesmo nos próprios Estados Unidos existiu uma representação legalizada dos islâmicos. O Departamento de Estado norte americano teve uma posição bastante tolerante em relação a eles. Não foi um apoio sistemático em todos os lugares mas efectivamente apoiaram-nos em função dos seus próprios interesses. Por exemplo, o rei de Marrocos combateu os islâmicos enquanto que os Estados Unidos os apoiavam. Ao princípio na Turquia, o governo turco combateu os islâmicos e os EUA apoiaram-nos. No caso da Argélia houve um apoio dos estadunidenses aos islâmicos porque o governo dos EUA não tinha confiança na estabilidade e na fiabilidade do poder político argelino. Há muitos indícios de que o Departamento de Estado apoiou os islâmicos! Entre os primeiros que cometeram atentados do FIS (Frente Islâmica de Salvação), por exemplo, massacres horríveis de mulheres grávidas que estavam com crianças e outras coisas horrendas do mesmo estilo, encontravam-se indivíduos que provinham do Afeganistão, onde antes haviam trabalhado ao serviço de quem os havia recrutado: estadunidenses. A CIA havia-os recrutado na luta contra os soviéticos e foram exportados pela CIA do Afeganistão para a Argélia. Na Argélia as pessoas chamavam-lhes simplesmente "os afegãos".

P: A partir da experiência política que o senhor adquiriu ao longo de tantos anos de luta pela revolução, que gostaria de dizer aos jovens que hoje começam a participar na resistência contra o capitalismo e o imperialismo?

Henri Alleg: 
Penso e creio que de toda esta experiência se poderiam extrair pelo menos duas "lições", se é que se lhes pode chamar assim. Para os jovens, mas também para os que não são assim tão jovens. Em primeiro lugar, não acreditar que tudo o que se ganhou foi ganho para sempre. Essa é uma grande lição, de alcance muito geral. Desde o início da minha militância, desde o momento em que comecei a lutar contra o fascismo, para mim tornou-se óbvio que o fascismo seria derrotado. Era evidente que os países que nesse momento haviam sido ocupados pelos alemães, pelo nazismo, seriam libertados. Para mim era uma coisa óbvia que a União Soviética sairia vencedora, que novas forças se agrupariam junto a ela e que o comunismo ganharia terreno. E isso sucedeu efectivamente, um pouco depois. Em França, no momento da libertação, um terço do parlamento chegou a ser comunista. Havia ministros comunistas no governo. O "espírito desta época" dava a entender que não demoraria muitos anos para que a França se tornasse um país socialista. A propósito disso, lembro-me de uma anedota. Uma discussão com E.F., secretário do PCF e membro do jornal L'Humanité. Ele era mais velho do que eu 10 anos. Era um homem muito simpático. No final de uma sessão da Escola do Partido, perguntei-lhe: "Quanto tempo teremos que esperar para que a França se torne um país socialista?". Ele respondeu-me: "Ouve, és jovem, és impaciente. Não acredito que a França seja socialista antes de 10 anos…". Isso foi há 40 anos! A segunda lição é que não devemos nunca desanimar nem perder a coragem. A vida é breve, mas tudo impele os seres humanos a combater pela sua liberdade, a lutar por um futuro melhor. Eu creio na nossa vitória. A maioria dos povos do mundo há-de convencer-se que não há outra via para conseguir essa libertação que não seja a do socialismo. É isso que gostaria de dizer aos jovens, mas também aos menos jovens.

1- Edição portuguesa de "A questão": Mareantes Editora , 2004, 102 pgs., ISBN: 972-8808-06-2.
2- Edição portuguesa de "SOS América": Editorial Caminho , 288 pgs.
3- Edição portuguesa de "O século do dragão": Editorial Caminho, 244 pgs.
4- Edição portuguesa de "O grande salto para trás": Editorial Caminho, esgotado.

O original encontra-se em http://www.rebelion.org/noticia.php?id=7785 .
Tradução de Luís Nogueira 


Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info/ .
25/Mai/05