República Árabe Saharaui Democrática


O POVO QUE O MUNDO ESQUECEU


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Bem-vindos ao blog phoenixsaharaui.blogspot.com.br


A criação deste espaço democrático visa: divulgar a causa Saharaui, buscar o reconhecimento pelo Brasil da República Árabe Saharaui Democrática e pressionar a União Européia, especialmente a Espanha, a França e Portugal, mais os EUA, países diretamente beneficiados pela espoliação dos recursos naturais do povo Saharaui, para retirarem o apoio criminoso aos interesses de Mohammed VI, Rei do Marrocos, e com isto permitir que a ONU prossiga no já tardio processo de descolonização da Pátria Saharaui, última colônia na África.


Membro fundador da União Africana, a RASD é reconhecida por mais de 82 nações, sendo 27 latino-americanas.


Nas páginas que seguem, você encontrará notícias do front, artigos de opinião, relato de fatos históricos, biografias de homens do porte de Rosseau, Thoreau, Tolstoy, Emersom, Stuart Mill e outros que tiveram suas obras imortalizadas - enxergaram muito além do seu tempo - principalmente em defesa da Liberdade.


"Liberté, Égalité, Fraternité", a frase que embalou tantos sonhos em busca da Liberdade, é letra morta na terra mãe.


A valente e obstinada resistência do povo Saharaui, com certeza encontraria em Jean Molin - Herói da resistência francesa - um soldado pronto para lutar contra a opressão e, em busca da Liberdade, morrer por sua Pátria.


A Literatura, a Música, a Pintura e o Teatro Saharaui estarão presentes diariamente nestas páginas, pois retratam fielmente o dia-a-dia deste povo, que a despeito de todas as adversidades, em meio a luta, manteve vivas suas tradições.


Diante do exposto, rogamos que o nosso presidente se afaste da posição de neutralidade, mas que na verdade favorece os interesses das grandes potências, e, em respeito a autodeterminação dos povos estampada como preceito constitucional, reconheça, ainda em seu governo, a República Árabe Saharaui Democrática - RASD.


Este que vos fala não tem nenhum compromisso com o erro.


Se você constatar alguma imprecisão de datas, locais, fatos, nomes ou grafia, gentileza comunicar para imediata correção.


Contamos com você!


Marco Erlandi Orsi Sanches


Porto Alegre, Rio Grande do Sul/Brasil

segunda-feira, 31 de março de 2014

OS ARREPENDIDOS DO GOLPE MILITAR DE 1964

OS ARREPENDIDOS DO GOLPE MILITAR DE 1964


Por:

Jeocaz Lee-Meddi


arrependidos1Quando, em 31 de março de 1964, desencadeou-se a sublevação militar da 4ª RM e 4ª DI, com sede em Juiz de Fora, Minas Gerais, comandada pelo general Olímpio Mourão Filho, que marchou rumo ao Rio de Janeiro para depor o então presidente do Brasil, João Goulart, a maior parte da sociedade brasileira apoiou os militares. Olímpio Mourão Filho e a sua tropa, foram recebidos como heróis na capital da Guanabara. Estava consolidado o golpe militar, que implantaria a pior ditadura que o Brasil já teve, que se estenderia de 1964 a 1985.

Os pilares dessa ditadura foram construídos pela ambição de três governadores de estados brasileiros: Adhemar de Barros, governador de São Paulo, Magalhães Pinto, governador de Minas Gerais, e Carlos Lacerda, governador do então estado da Guanabara (incorporado ao estado do Rio de Janeiro em 1974). Ambicionando a presidência da República, estes três homens apoiaram o golpe, desencadeando um clima político no país para que ele fosse executado.

Nas ruas, mulheres, empresários, padres, estudantes de direita, empunharam rosários e bandeirinhas do Brasil na mão, sob o lema “Família que reza unida, permanece unida”, realizaram entre 19 de março a 8 de junho de 1964, 49 marchas pelo país.

As marchas antes do golpe militar de 31 de março, eram chamadas de Marchas da Família com Deus, depois do golpe passaram a chamar Marcha da Vitória.

Com exceção do jornal Última Hora, todos os grandes jornais do país apoiaram o golpe militar. Quando consumado a queda do governo, somente o movimento estudantil, alguns sindicatos, alguma tropa do Rio Grande do Sul, pequenos setores da ala esquerda das forças armadas e os partidos comunistas clandestinos, rebelaram-se contra o golpe. O restante da nação aplaudiu e agradeceu aos militares por salvá-los do perigo vermelho.

Para justificar o golpe, passaram a chamar de revolução. Muitos dos que apoiaram a tomada do poder pelos militares, passada a euforia, nem bem se completava um mês, e já se arrependiam do equívoco histórico que ajudaram a criar, das trevas que haviam lançado a democracia do país. Surgiam os arrependidos da “revolução” de 1964.

Engodo aos Três Governadores Conspiradores

O dia 31 de março de 1964, terça-feira, terminara como um dia de imensa confusão histórica. 

Conspirado nos últimos três anos, o golpe que emanou das tropas mineiras, não contava com um apoio total das Forças Armadas.

O governador de Minas Gerais Magalhães Pinto, nos últimos quinze dias de março percorreu todos os aeroportos do país, levando um documento para ser assinado por outros governadores, apoiando a deposição do presidente, foi ele quem deu apoio de base às tropas levantadas em seu estado. Da tríade de governadores conspiradores, Magalhães Pinto foi o único que se beneficiou do regime da ditadura militar. 

Banqueiro ambicioso, desmoralizado politicamente, o seu Banco Nacional foi à falência em 1986. Esta instituição financeira sobreviveria por mais dez anos, através de uma contabilidade fraudulenta, deixando um rombo de 10 bilhões de reais, quando liquidado, em 1996.

O governador da Guanabara, Carlos Lacerda, conhecido como o corvo, no dia 31 de março, armou-se no Palácio da Guanabara. Apesar de ser um dos mais ferrenhos opositores do governo federal, Lacerda não sabia com antecedência do movimento que descia de Minas Gerais, pois, assim como Magalhães Pinto, era potencial candidato à presidência da República, disputando uma indicação do seu partido. 

Era natural que Magalhães Pinto escondesse de Lacerda o movimento. Carlos Lacerda, em 1939, passou de fervoroso comunista a um inimigo implacável das esquerdas e das causas populares.

Conhecido como corvo conspirador, conspirou contra Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart. Sua índole incendiária aspirava à presidência da República. 

Quando se apercebeu que o governo dos militares não se faria provisório, e manter-se-ia no poder por um longo tempo, rebelou-se, o que resultou nos seus direitos políticos cassados pelo governo militar. Em 1967, Carlos Lacerda, o maior inimigo do governo João Goulart, surpreendentemente, aliou-se ao presidente deposto e a Juscelino Kubitschek, formando aFrente Ampla, para assim, restituir as eleições diretas no país. A Frente Ampla foi sufocada pela repressão do regime.

Quando morreu, em 1977, Carlos Lacerda era o maior arrependido dos apoiadores do golpe de estado de 1964.



Adhemar de Barros, governador de São Paulo, falso puritano, trajava-se de defensor da moral e dos bons costumes, cinicamente incentivava o bordão “Rouba, mas faz”. Também ele ambicionava a presidência do país. 

Ao sentir-se traído pelos militares, em março de 1966, exigiu a renúncia do presidente Castelo Branco, lançando um manifesto a exigir a restauração da democracia.

O manifesto resultou na cassação do seu mandato, tendo os direitos políticos suspensos por 10 anos. Ameaçado de prisão, Adhemar de Barros, um dos maiores apoiadores do golpe de 1964, partiu para o exílio, a 7 de junho de 1966. 

Morreu em Paris, em 1969, deixando com a amante, a famosa “Caixinha do Adhemar”, um cofre com 2.600.000 dólares dentro, roubado à amante, após a sua morte, por guerrilheiros que resistiam ao regime militar, em 18 de julho de 1969.

Mulheres que Marcharam a Favor do Golpe

Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que reuniu 1 milhão de pessoas na Candelária, Rio de Janeiro, no dia 2 de abril de 1964, recebeu os militares vindos de Minas Gerais, como heróis e salvadores. Esta marcha, que se passou a chamar a Marcha da Vitória, chancelou o golpe militar. Era a representação da família, da igreja, do povo brasileiro, que no ato se mostrava feliz e grato aos golpistas.

Diante do sucesso das marchas, no dia 13 de maio, pouco mais de um mês após o golpe de estado, aconteceu na sede dos Diários Associados, na rua 7 de Abril, no centro de São Paulo, uma cerimônia empreendida por Assis Chateaubriand, que lançava uma campanha nos jornais, rádios e tevês, chamada de Ouro para o Bem do Brasil

A campanha convencia o povo a ajudar o novo governo, com doações de ouro, através de alianças, anéis, pulseiras, colares e outros objetos. O Rotary Club aderiu à campanha, promovendo por várias cidades do Brasil a Semana Cívica do Ouro.

O governador Adhemar de Barros doou o seu salário de 400.000 mil cruzeiros. A indústria automobilística doou veículos, empresários contribuíram com cheques, que chegaram a milhões. 100 mil pessoas doaram 400 quilos de ouro e meio bilhão de cruzeiros, em duas semanas. 

Quem fazia a doação, recebia uma aliança de latão com a inscrição: Doei ouro para o bem do Brasil. O valor real arrecadado jamais foi revelado, tampouco o destino que as jóias levaram.

Das mães que marcharam pelas ruas do Brasil, saudando o golpe militar, ou daquelas que doaram jóias para a construção de um Brasil livre do perigo vermelho, muitas foram as que, anos depois, saíram das suas casas à procura dos filhos desaparecidos e mortos, tragados pela repressão militar. 

Segundo dados estatísticos, a maioria dos jovens que se rebelaram contra a ditadura, eram oriundas de uma classe média abastada, que se beneficiara economicamente com o novo regime. Benefício que lhes custaram caro, o arrependimento eterno.

A Igreja Católica e Outras Religiões Arrependidas

Na marcha da candelária, no dia 2 de abril, o maior apoio do setor religioso veio da igreja católica, foram também convidados pelos organizadores do evento (entre eles CAMDE – Campanha da Mulher pela Democracia e o IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática), pastores, rabinos e umbandistas, que discursaram favoráveis ao golpe. Todos tiveram motivos de arrependimento futuro. 

A igreja católica, que saudou o golpe militar, viu padres torturados, desaparecidos ou mortos pelos ditadores. Padres que se revoltaram contra o regime, abraçaram, nos anos setenta, a Teologia da Libertação, oriunda dos anos cinqüenta. Dom Paulo Evaristo Arns, ex-cardeal de São Paulo, um defensor dos direitos humanos, foi um dos arrependidos do apoio ao golpe, cobrando transparência do regime militar e denunciado as suas torturas.

Em 1975, quando o jornalista Vladimir Herzog foi preso, torturado e morto pela ditadura militar, foi apresentado um laudo que constatava não tortura, mas suicídio a causa da sua morte. 

De acordo com a lei judaica, um suicida é enterrado na periferia do cemitério, como forma de condenar visivelmente o pecado cometido por aquele que destrói a própria vida. 

Herzog foi sepultado no centro do cemitério, o rabino Henry Sobel declarou categoricamente, à imprensa, que ele tinha sido sepultado com todas as honras que lhe eram devidas como judeu, como brasileiro, como ser humano. 

Com esta declaração, a comunidade judaica repudiava a versão de suicídio da ditadura militar, constrangendo-a, obrigando-a a reconhecer a tortura no Brasil, até então, veementemente negada. 

Alguns dias, depois da morte de Herzog, a pedido da família e do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, foi realizado um culto ecumênico na Catedral da Sé, celebrado pelo cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, pelo reverendo Jaime Wright e pelo rabino Henry Sobel. 

As religiões que um dia se manifestaram favoráveis ao golpe militar, rebelavam-se a favor da volta da democracia, mais do que arrependidos de um dia ter confiado na entrega do poder aos militares.
Os grandes jornais, todos, com exceção do Última Hora, de Samuel Wainer, pediram a queda do governo de João Goulart e apoiaram o golpe militar. O preço que o jornal Última Horapagou foi a depredação e incêndio da sua sede, além da perseguição política, que resultou no seu fim.



Folha de S. Paulo e o Estado de S. Paulo tiveram uma relação bem próxima com o núcleo conspirador do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES). 

Mais tarde, sofreriam com a censura, obrigando-os a substituir reportagens previamente censuradas por receitas culinárias e poemas de Luís e Camões. 

Jornalistas como Carlos Heitor Cony, ou o escritor Antonio Callado, apoiadores do golpe, já quinze dias depois dele ter acontecido, mudaram as suas opiniões, movidos por um arrependimento histórico que assolou toda a nação.

De 1964 a 1985, o Brasil colheu os frutos que resultaram do golpe de estado feito pelas forças militares. 21 anos de trevas e cerceamento cultural. 

Grande parte dos que apoiaram e saudaram o golpe, antes mesmo da ditadura militar findar, já se faziam arrependidos, conscientes do erro histórico pelo qual se deixaram levar. 

Assim como o equívoco cometido, esta é uma página da história do Brasil que já foi virada, mas que deixou cicatrizes indeléveis, muitas ainda não curadas.

fonte: http://jeocaz.wordpress.com/2008/08/14/os-arrependidos-do-golpe-militar-de-1964/

terça-feira, 4 de março de 2014







O processo de descolonização decorrente da legítima reivindicação dos saharauis, acelerado pela independência conquistada por colônias vizinhas que compõe o Grande Magreb (ocidente), localizado no noroeste da África, no mesmo período - Líbia (1951), Marrocos (1956), Mauritânia (1960), Tunísia (1960), Argélia (1962) - resultou também da Resolução 1514, emanada da (XV) Assembléia Geral das Nações Unidas em 14 de dezembro de 1960, que culminou com a Declaração sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais.

Assim proclama o preâmbulo da Convenção:

Levando em consideração que os povos do mundo proclamaram na Carta das Nações Unidas que estão decididos a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos entre os homens e as mulheres e das nações grandes ou pequenas, e a promover o progresso social e a elevar o nível de vida dentro de um conceito amplo de liberdade; Consciente da necessidade de criar condições de estabilidade e bem-estar e relações pacíficas e amistosas baseadas no respeito aos princípios de igualdade de direitos e à livre determinação dos povos, e de assegurar o respeito universal dos direitos humanos e as liberdades fundamentais para todos sem fazer distinção por motivo de raça, sexo, idioma ou religião, e a efetividade de tais direitos e liberdades, Reconhecendo o fervoroso direito que todos os povos possuem dependentes e o papel decisivo de tais povos na conquista de sua independência; Consciente dos crescentes conflitos que surgem do ato de negar a liberdade a esses povos e de impedi-la, o qual constitui uma grave ameaça à paz mundial; Considerando o importante papel que corresponde às Nações Unidas como meio de favorecer o movimento em prol da independência em territórios ocupados e em territórios não autônomos; Reconhecendo que os povos do mundo desejam ardentemente o fim do colonialismo em todas as suas manifestações; Convencida que a continuação do colonialismo impede o desenvolvimento da cooperação econômica internacional, dificulta o desenvolvimento social, cultural e econômico dos povos dependentes e age contra o ideal de paz universal das Nações Unidas; Afirmando que os povos podem, para seus próprios fins dispor de suas riquezas e recursos naturais sem prejuízo das obrigações resultantes da cooperação econômica internacional, baseada no princípio do proveito mútuo e do direito internacional; Acreditando que o processo de liberdade é irresistível e irreversível e que a fim de evitar crises graves, é preciso pôr fim ao colonialismo e a todas as práticas de segregação e discriminação que o acompanham; Celebrando que nos últimos anos muitos territórios dependentes tenham alcançado a liberdade e a independência e reconhecendo as tendências cada vez mais poderosas em direção á liberdade que se manifestam nos territórios que não tenham obtido ainda sua independência; Convencida de que todos os povos têm o direito inalienável à liberdade absoluta, ao exercício de sua soberania e à integridade de seu território nacional; Proclama solenemente a necessidade de pôr fim rápido e incondicional ao colonialismo em todas as suas formas e manifestações;[1]
Verdadeiro ultimato, a Resolução 1514 visava dar fim as fraticidas lutas desenvolvidas em busca da liberdade e reduzir a importância do crescente movimento do pan-arabismo (reunião de todos os países de maioria árabe-muçulmana para lutar contra os interesses estrangeiros e pela descolonização do continente).
Os artigos da Convenção declaram expressamente que:
1.       A sujeição dos povos a uma subjugação, dominação e exploração constitui uma negação dos direitos humanos fundamentais, é contrária à Carta das Nações Unidas e compromete a causa da paz e da cooperação mundial;
2.       Todos os povos tem o direito de livre determinação; em virtude desse direito, determinam livremente sua condição política e perseguem livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural.
3.       A falta de reparação na ordem política, econômica e social ou educativa não deverá nunca ser o pretexto para o atraso da independência.
4.       A fim de que os povos dependentes possam exercer de forma pacífica e livremente o seu direito à independência completa, deverá cessar toda ação armada ou toda e qualquer medida repressiva de qualquer índole dirigida contra eles, e deverá respeitar-se a integridade de seu território nacional.
5.       Nos territórios, sem condições ou reservas, conforme sua vontade e seus desejos livremente expressados, sem distinção de raça, crença ou cor, para lhes permitir usufruir de liberdade e independência absolutas.
6.       Toda tentativa encaminhada a quebrar total ou parcialmente a unidade nacional e a integridade territorial de um país é incompatível com os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas.
7.       Todos os estados devem observar fiel e estreitamente as disposições da Carta das Nações Unidas, da Declaração Universal de Direitos Humanos e da presente declaração sobre a base da igualdade, da não intervenção nos assuntos internos dos demais Estados e do respeito aos direitos soberanos de todos os povos e de sua integridade territorial.[2]

O escopo desta resolução era garantir a organização mundial como centro da tomada de decisões e demonstrar que a defesa dos direitos humanos era pauta prioritária, estando acima de interesses pontuais para a recém criada Organização das Nações Unidas.

Diante da eminente descolonização, a Espanha, em 1974, pressionada pela Resolução 1514 de 1960 (XV) da Assembléia Geral das Nações Unidas, anunciou a realização do referendo, cumprindo determinação no sentido de que a colônia decidisse seu destino.

O governo franquista reagiu à ofensiva independentista com uma manobra política para ganhar tempo e criar as bases sobre as quais erigir um futuro governo saharaui “independente” que garantisse os interesses económicos espanhois. No dia 20 de agosto enviou uma nota ao secretário geral da ONU anunciando a intençao de celebrar um referendo no Sahara sob os auspícios e garantias desse organismo, durante o primeiro semestre de 1975. Ao mesmo tempo impulsionou a formação de um partido político fiel aos interesses espanhóis, o “Partido de Uniao Nacional Saharaui” - PUNS.[3]
O rei marroquino à época, Hassan II, percebendo que a independência saharaui colocaria em risco seu projeto de expansão ao sul da fronteira marroquina, recorreu, junto com o representante da Mauritânia, à Assembléia das Nações Unidas, reivindicando a soberania sobre a região.

Entretanto, o anúncio sobre a próxima celebração do referendo de autodeterminação, fez com que os goverrnos marroquino e mauritano levassem a questão do Sahara perante a Corte Internacional de Justiça. A Assembléia Geral da ONU aceitou a solicitação e por isso foi adiada a consulta popular até que o Tribunal de Háia emitisse seu dictame à respeito.[4]

Provocada pelas partes, a Assembléia Geral da ONU solicitou uma opinião consultiva à Corte Internacional de Justiça em Háia, sobre duas questões:

I - Era o Sahara Ocidental (Río de Oro e Saguia El Hamra) ao tempo da colonização espanhola um território sem dono (terra nullius)?

Se a resposta à primeira questão for respondida negativamente, então:

II - Quais eram os vínculos jurídicos entre esse território com o Reino de Marrocos e a entidade Mauritânia?[5]

No dia 16 de outubro de 1975 a Corte Internacional, através do comunicado nº75/10 emitiu seu ditame. Em relação com a primeira questão, entendeu que:
A informação fornecida à Corte demonstra que ao tempo da colonização o Sahara Ocidental era habitado por populações que, mesmo nômades, eram social e politicamente organizadas em tribos, sob o comando de chefes competentes para representá-las.[6]
Em relação com a segunda questão, concluiu a Corte:
Os elementos e informações levados ao conhecimento da Corte demonstram a existência ao tempo da colonização espanhola de laços e“allegiances” (espécie de vassalagem) entre o Sultão de Marrocos e algumas das tribos que habitavam o território do Sahara Ocidental. Mostram igualmente a existência de direitos, incluindo alguns relacionados à terra, que constituíam vínculos jurídicos entre a entidade da Mauritânia, como entendeu a Corte, e o território do Sahara Ocidental. Por outro lado, a Corte concluiu que os elementos e informações levados ao seu conhecimento não estabeleceram a existência de nenhuma relação de soberania territorial entre o território do Sahara Ocidental e o Reino de Marrocos ou a entidade da Mauritânia. Deste modo, a Corte não encontrou vínculos jurídicos de natureza a modificar a aplicação da Resolução 1514 (XV) da AssembléiaGeral quanto à descolonização do Sahara Ocidental e, em particular, à aplicação do princípio da autodeterminação graças à expressão livre e autêntica da vontade das populações do território.[7]
A decisão da Corte Internacional de Justiça, ao reconhecer o Sahara Ocidental como território saharaui, retirou o caráter de disputa territorial e deixou cristalizado os interesses econômicos, políticos e militares que prevalecem sobre o território saharaui.
Vencidos no campo jurídico, em 31/10/1975, o Marrocos e a Mauritânia tomaram de assalto a região disputada, na ação que ficou conhecida como “Marcha Verde”, onde 350.000 marroquinos, na maioria desempregados, caminharam em direção ao território saharaui e ocuparam as cidades, enquanto o exército marroquino e mauritano iniciavam a ofensiva militar, tentando estabelecer um caráter de fato consumado, portanto irreversível, onde coube ao Marrocos 2/3 do território situado ao norte da região e à Mauritânia 1/3 das terras ao sul.
Em 1975 com o apoio do então Secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger e do Presidente francês Giscard D’Estaing, Hassan II organiza a “Marcha Verde”, enviando ao Sahara Ocidental, para além das fronteiras marroquinas, milhares de miseráveis, e convoca, para presenciar o espetáculo, jornalistas de vários países ocidentais.[8]

Perseguidos quando rumavam para o interior do deserto, os saharauis não puderam beber água nos poucos poços disponíveis porque foram envenenados. Ao acamparem, sofreram ataques aéreos com bombas de Fósforo Branco e Napalm, o mesmo produto químico utilizado em grande escala no Vietnam na mesma época.

Estes acampamentos, alguns com mais de 60 mil refugiados, seriam sistematicamente bombardeados pela aviação marroquina, com Napalm e Fósforo Branco. A chegada de ajuda humanitária do exterior foi bloqueada. Os esparsos rebanhos de camelos e cabras, base da alimentação do povo saaraui, foram metralhados do alto pelos aviões. Os poços do interior foram envenenados.[9]

A intervenção com armas químicas provocou um êxodo maciço dos sobreviventes que encontraram abrigo Argélia, onde foram acolhidos e vivem nos acampamentos instalados em Tindouf até os dias de hoje, em situação de calamidade, subsistindo exclusivamente da ajuda humanitária fornecida pela Organização das Nações Unidas - ONU.


Sem oferecer resistência armada, somente no campo diplomático, em evidente manobra que visava dissimular a entrega do território ao Marrrocos e à Mauritânia, a Espanha sentou à mesa com os invasores e negociou um acordo tripartite, nesses exatos termos:

Em Madrí a 14 de novembro de 1975 e reunidas as delegações que legitimamente representam os Governos da Espanha, Marrocos e Mauritânia, se manifiestam de acordo nos seguintes princípios:
1) - Espanha ratifica sua resolução, reiteradamente manifestada perante a ONU, de descolonizar o território do Sahara Ocidental pondo fim à responsabilidades e poderes que tem sobre dito território como potência administradora.
2) - De conformidade com a anterior determinação e de acordo com as negociações impulsionadas pelas Nações Unidas com as partes afetadas, Espanha procederá de imediato a instituir uma administração temporal no território na que participarão Marrocos e Mauritânia em colaboração com a Yemáa (...) A terminação da presença espanhola no território se fará definitivamente, antes do 28 de fevereiro de 1976.
3) - Será respeitada a opinião da população saharaui expressada através da Yemáa.
4) - Os três países declaram ter chegado à anteriores conclusões com o maior espírito de compreensão, fraternidade e respeito dos princípios da Carta das Nações Unidas e como a melhor contribuição à manutenção da paz e da segurança internacionais.[10]

O acordo celebrado que cedeu temporariamente a administração do território aos invasores, violou o artigo 73º da Carta das Nações Unidas, capítulo XI - Declaração Relativa a Territórios Não Autônomos - assim redigido:

Os membros das Nações Unidas que assumiram ou assumam responsabilidades pela administração de territórios cujos povos ainda nãose governem completamente a si mesmos reconhecem o princípio do primado dos interesses dos habitantes desses territórios e aceitam, como missão sagrada, a obrigação de promover no mais alto grau, dentro do sistema de paz e segurança internacionais estabelecido na presente Carta, o bem-estar dos habitantes desses territórios, e, para tal fim:

a. Assegurar, com o devido respeito pela cultura dos povos interessados, o seu progresso político, económico, social e educacional, o seu tratamento equitativo e a sua protecção contra qualquer abuso;
b. Promover o seu governo próprio, ter na devida conta as aspirações políticas dos povos e auxiliá-los no desenvolvimento progressivo das suas instituições políticas livres, de acordo com as circunstâncias peculiares a cada território e seus habitantes, e os diferentes graus do seu adiantamento;
c. Consolidar a paz e a segurança internacionais;
d. Favorecer medidas construtivas de desenvolvimento, estimular pesquisas, cooperar entre si e, quando e onde for o caso, com organizações internacionais especializadas, tendo em vista a realização prática dos objectivos de ordem social, económica e científica enumerados neste artigo;
e. Transmitir regularmente ao Secretário-Geral, para fins de informação, sujeitas às reservas impostas por considerações de segurança e de ordem constitucional, informações estatísticas ou de outro carácter técnico relativas às condições económicas, sociais e educacionais dos territórios pelos quais são respectivamente responsáveis e que não estejam compreendidos entre aqueles a que se referem os capítulos XII e XIII.[11]

Do texto do acordo, conclui-se que a Espanha, como potência administradora, não transferiu a soberania nem conferiu a qualquer dos signatários a condição de potência administradora, por ser atribuição exclusiva da Assembléia Geral das Nações Unidas, estabelecendo o prazo até 28 de fevereiro de 1976 para a administração tripartite encerrar seus trabalhos.

Estando obrigada pela Resolução 1514 de 1960 a proceder a efetiva descolonização do território, ao abandonar o povo saharaui a sua própria sorte, a Espanha colocou o Acordo em confronto com a resolução que obriga a descolonização, questão esta enfrentada pelo artigo 103º da Carta das Nações e fulminada pelo artigo 53º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 23 de maio de 1969:

É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza.[12]

Do ponto de vista legal, o status jurídico da RASD é o de território não autônomo, cuja proteção e administração delegada à Espanha é regulada no Capítulo XI, artigo 73º da Carta das Nações Unidas. Quando houve a invasão, o povo saharaui aguardava a implementação da Resolução 1514, que já havia assegurado a independência aos seus vizinhos. 

Diante deste comando mandamental, a Espanha é a potência administradora que irresponsavelmente repassou o território em flagrante e ilegal violação da determinação prevista, permanecendo intactas suas atribuições em conformidade com a Carta.
 
O status jurídico do Marrocos é o de potência ocupante, ensejando o acionamento da medida repressiva prevista no Capítulo VII, artigos 39, 41 e 42, da Carta das Nações Unidas, sob o título “Ação relativa a ameaças à paz, ruptura da paz e atos de agressão”, recurso a ser utilizado quando outras ações de caráter conciliatório previstas no artigo 40, não apresentarem resultado satisfatório. Decorridos 38 anos, constata-se que a ONU não consegue impor às partes uma decisão da Corte Internacional de Justiça, em flagrante desrespeito à Instituição.

Para corroborar o que foi afirmado, trazemos uma síntese da Resolução 380 exarada pelo Conselho de Segurança em 06 de novembro de 1975, no calor da invasão (31/10/1975), após os invasores desrespeitarem as Resoluções 377 (22/10/1975) - pedia cautela e moderação às partes em conflito – e a Resolução 379 (02/11/1975) - reafirma a Resolução 377; reafirma a Resolução 1514 como aplicável ao território saharaui; e exorta as partes envolvidas e interessadas para evitar qualquer ação unilateral ou de outra índole que aumente a tensão na região.

A Resolução 380 determinou ao Rei Hassan II que: em que pese as Resoluções 377 e 379 terem solicitado para que o rei do Marrocos com urgência colocasse imediatamente fim a marcha declarada sobre o sahara ocidental, esta ocorreu. Com base nessas Resoluções: 1) deplora a realização da marcha; 2) manda que o Marrocos se retire imediatamente do sahara ocidental, assim como todos participantes da marcha.

A presença como parte no conflito instaurado de duas potências mundiais com assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, França e EUA, agregado aos subreptícios interesses da União Européia, deslocou a interpretação dos artigos 39 ao 51, estampados no Capítulo VII da Carta das Nações Unidas que, inevitavelmente levaria a aplicação de medidas coercitivas destinadas a empurrar o Marrocos de volta às fronteiras herdadas do colonialismo, para o Capítulo VI, artigo 33 ao 38, que prevê a “Solução pacífica de controvérsias”.


Diante dos vícios que revestiram o acordo tripartite realizado sem a presença da RASD, e da proximidade da data para entrega do território, as lideranças saharauis decidiram proclamar a independência no dia anterior a data prevista no cronograma espanhol, ou seja, 27 de fevereiro de 1976.

A República Árabe Saharaui Democrática nasceu na noite do 27 de fevereiro de 1976 em Bir Lehlu, na regiao de Saguia El Hamra, bem perto da fronteira com a Mauritânia. Poucas horas antes, na capital, El Aaiún, o último representante da administraçao colonial tinha anunciado oficialmente o final da presença espanhola no território e, portanto, era necessário evitar que o vácuo jurídico deixado pela metrópole, fosse utilizado no plano internacional pelo expansionismo marroquino e mauritano.
Naquela noite, perante um grande número de combatentes e dezenas de jornalistas, o secretário geral da Frente POLISARIO, El Uali, proclamou o novo Estado com as seguintes palavras:
“Em nome e com a ajuda de Deus e materializando a vontade do nosso povo árabe saharaui, por fidelidade ao sangue dos nossos gloriosos mártires e como coroaçao de imensos sacrificios, se iça hoje a bandeira da República Árabe Saharaui Democrática sobre a terra de Saguia El Hamra e Rio de Oro”[13]

A população do Sahara Ocidental é de aproximadamente 500.000 habitantes, constituída de árabes e negros de origem nômade, que se submeteram a uma sedentarização forçada somente após a colonização espanhola. Sua cultura é árabe e preserva a tradição oral. Suas línguas oficiais são o hassania (variante dialetal do árabe) e o espanhol, aprendizado este decorrente do período colonial.

Com 286.000 km², seu território é cobiçado pelas potências ocidentais e acossado pela política expansionista marroquina, pois possui as maiores jazidas de fosfato do mundo, petróleo, gás, ferro e urânio, sendo que, ao longo de seus 1062 km de costa, temos um dos maiores bancos pesqueiros do planeta.

A República Árabe Saharaui Democrática – RASD, ocupada pelo agressor Marrocos (potência ocupante), na condição de território não autônomo, tem sua população dividida pelo Muro da Vergonha - obra que corta o território do norte ao sul do país - em: zona ocupada, ao oeste do muro em direção ao litoral, ocupando 3/4 da área, onde vivem sob a repressão da polícia marroquina, sofrendo graves violações de direitos humanos; zona liberada, ao leste em direção a fronteira com a Argélia, em compasso de espera, onde permanecem estacionadas as forças de resistência da Frente Polisário respeitando o armistício acordado com a intervenção da Organização das Nações Unidas.

Entretanto, mais da metade da população vive na condição de refugiados em Tindouf, na Argélia, para onde rumaram quando foram expulsos do seu território pela forças marroquinas e mauritanas em 1975, com o apoio decisivo – logístico, humano e material - dos norte americanos e dos franceses. Nesta retirada, os que sobreviveram aos bombardeios com Napalm e Fósforo Branco, aos ferimentos, ao frio, ao calor, à fome e à sede, foram acolhidos pelo governo argelino.

Decorridos 38 anos, agrupados em acampamentos no deserto, os refugiados saharauis se organizaram e estruturaram um sistema político e social capaz de dar vida a um Estado Democrático Moderno. Sua estrutura político-administrativa é assim descrita por Emiliano Gómez Lópes:

A autoridade política suprema da República é o Comitê Executivo da Frente POLISARIO, também denominado Conselho de Mando da Revoluçao. Este órgao tem sete membros, um dos quais é, ao mesmo tempo, secretário geral da Frente POLISARIO e presidente da República. Adjunto ao Comitê Executivo está o Bureau Político composto por 21 membros.
Como todo Estado republicano, a RASD possui os três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário:
O Poder Executivo está representado pelo Governo nacional, ou seja, pelo Presidente da República e seu Conselho de Ministros.
El Poder Legislativo ésta representado pelo Conselho Nacional Saharaui, constituido por 41 membros, 21 dos quais formam parte do Bureau Político da Frente POLISARIO e outros 20 são eleitos pelos Congressos Populares de Base.
Isto quer dizer que os 21 representantes que estao no Bureau Político, sao eleitos cada três anos pelo Congresso Popular Geral, no entanto os 20 restantes sao renovados todo ano pelos Congressos Populares de Base.
El Poder Judiciário está representado pelo Conselho Judiciário do qual depende a Corte Suprema do Povo e o Tribunal de Apelação. A “sharia” (1), de acordo com a Constituiçao, é a fonte das leis na RASD.
A administraçao da República consta de três níveis: Nacional, Wilaya (provincia) e Daira (municipio). Atualmente existem quatro Wilayas cujos nomes: Aaiún, Dajla, Smara y Auserd, se correspondem com outras tantas cidades saharauis sob ocupaçao marroquina.
Cada Wilaya esta composta por várias Dairas e sua administraçao é exercida pelo Conselho Popular de Wilaya, presidido por um Wali (governador) e integrado pelos presidentes dos Conselhos Populares de Daira. Cada uma das quais agrupa vários milhares de cidadãos.
As Dairas agrupam vários milhares de cidadaos e são administradas pelo Conselho Popular de Daira, composto pelo presidente e os encarregados dos cinco Comitês Populares de Base que agem nas suas respectivas áreas de atividade: educaçao, alimentaçao, saúde, justiça, etc.,
A actividade das Dairas e analisada anualmente pelos Congressos Populares de Base. Nestes Congressos se elegem os 20 membros do Conselho Nacional Saharaui (Parlamento) que vão estar representando às bases durante um ano.
O Congresso Popular Geral é a máxima assembléia do povo saharaui. Ele se realiza cada três anos, elege o Comité Executivo, o Bureau Político e o Secretário Geral da Frente POLISARIO, e pode introduzir mudanças na Constituiçao Nacional.[14]

A República Árabe Saharaui Democrática - RASD é reconhecida por 82 nações do mundo inteiro, incluídas todas as nações que compõe a União Africana – UA, exceção feita ao Marrocos, país vizinho que durante a transição referente à entrega do território pela potência administradora, apoiado por potências ocidentais – especialmente Espanha, Estados Unidos e França - com interesses políticos, militares e econômicos na área, invadiu a região.

Sobre a consagração do direito de autodeterminação, é luminosa a manifestação de Cançado Trindade:

O surgimento dos direitos dos povos no âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos teve como antecedente histórico a asserção de seu direito de autodeterminação, pela Declaração sobre a Outorga de Independência aos Países e Povos Coloniais (1960) e resoluções subseqüentes da Assembléia Geral das Nações Unidas. Tal asserção veio prontamente a contar com o reconhecimento judicial, mormente mediante Pareceres da Corte Internacional de Justiça sobre a Namíbia (de 21.06.1971) e o Sahara Ocidental (de 16.10.1975). No primeiro parecer, a Corte da Haia ponderou, em relação aos sistemas de mandato, que os desenvolvimentos dos últimos cinqüenta anos – desvendando a expansão do corpus júris gentium no presente domínio – não deixam margem de dúvida de que “o objetivo último da missão sagrada (sacred trust)   era a autodeterminação e independência dos povos em questão”. E, no segundo Parecer, a Corte concluiu em favor da resolução 1514 (XV) da Assembléia Geral das Nações unidas “na descolonização do Sahara Ocidental e, em particular, do princípio da autodeterminação mediante a expressão livre e genuína da vontade dos povos do Território”.
Um território sem governo próprio (no sentido do capítulo XI da Carta das Nações Unidas) passou a ser tido como dotado de um status jurídico internacional que gera obrigações de respeito ao direito de autodeterminação de seu povo, de salvaguarda dos direitos humanos de seus habitantes, e de não-exploração de seus recursos naturais. Na prática do Direito Internacional, o exercício do direito de autodeterminação dos povos floreceu precisamente nas experiências de plebiscitos e consultas aos habitantes dos territórios sob mandato (e no regime de minorias sob a Liga das Nações), sob tutela e sem governo próprio, - as quais, por sua vez, fomentaram o desenvolvimento do preparo político e educacional, e levaram à emancipação política – sobretudo nas décadas de sessenta e setenta – numerosos povos e países coloniais.
Já então se evidenciava que as relações internacionais não mais se limitavam às relações puramente inter-estatais, porquanto as relações entre um território sem governo próprio e a autoridade encarregada de sua administração passaram a revestir-se de caráter internacional, tendo presentes as responsabilidades internacionais estabelecidas pelo capítulo XI da Carta das Nações Unidas. A célebre resolução da Assembléia Geral sobre “Princípios do Direito Internacional que regem as Relações Amistosas e Cooperação entre os Estados” (de 1970) consagrou efetivamente, entre seus princípios, o da autodeterminação dos povos, alçado, na época, ao nível de princípio básico do Direito Internacional.  [15]

Na América do Sul, somente três países ainda não reconheceram o direito à autodeterminação e independência Saharaui – Brasil, Argentina e Chile – sendo que neste último, o procedimento para o reconhecimento encontra-se com o processo legislativo em estágio avançado.

Assim, desautorizada as Nações Unidas, as partes em conflito com assento no CS passaram a conduzir as ações em proveito próprio, e abriu-se o caminho para a não aplicação da Resolução 1514 ao caso saharaui (1960), para desrespeitar a decisão da Corte Internacional de Justiça diante de uma questão proposta pelos agressores, Marrocos e Mauritânia, e que não lhes favoreceu (1974), para não punir os invasores que violaram normas internacionais ao utilizarem armas químicas durante a invasão (1975), para a construção de um muro com 2.720 km para segregar o povo saharaui em seu próprio território (1980), para a colocação de minas terrestres ao longo do infame muro, em confronto com a Convenção de Genebra (1980/1991), para a desobediência da Resolução 690 do CS que determina a realização do referendo (1991), para autorizar a permanente exploração e comercialização dos recursos naturais de território não autônomo, e por fim, sem a pretensão de exaurir as violações às normas internacionais, para permitir o total desprezo pela violação sistemática dos direitos humanos do povo saharaui, avalizada pelo Conselho de Segurança da ONU.




[1] DHNET. Resolução 1514. Declaração sobre a concessão da independência aos países e povos coloniais. Assembléia Geral das Nações Unidas. New York, 14 dez. 1960.

[2] Id.
[3] LÓPES, Emiliano Gomes. A República saharaui, uma história de luta anticolonialista. albamovimientos.org. Espanha, mar. 2012. Capítulo 4, 4.5. 
[4] Ibid. Capítulo 4, 4.5.
[5] Ibid. Capítulo 5, 5.2.
[6] Ibid. Capítulo 5, 5.2.
[7]LÓPES, Emiliano Gomes. A República saharaui, uma história de luta anticolonialista. albamovimientos.org. Espanha, mar. 2012. Capítulo 5, 5.2.
[8] SANTAYANA, Mauro. Dossiê da guerra do sahara. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 65.
[9] Iden. p. 67.

[10] LÓPES,Emiliano Gomes.A República saharaui, uma história de luta anticolonialista. Cap.5,5.5.

[11] NAÇÕES UNIDAS. Declaração Relativa a Territórios Sem Governo Próprio. Conferência das Nações Unidas, São Francisco, 26 jun. 1945.
[12] CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS. Viena, 1969. Tratado Em Conflito Com Uma Norma Imperativa De Direito Internacional Geral. (jus cogens).  
[13] LÓPES, Emiliano Gomes. A República saharaui, uma história de luta anticolonialista. albamovimientos.org. Espanha, mar. 2012. Capítulo 6, 6.1.
[14] LÓPES, Emiliano Gomes. A República saharaui, uma história de luta anticolonialista. albamovimientos.org. Espanha, mar. 2012. Documento 3.
[15]CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. 2. Ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003, Volume III. p. 323 - 325.