O processo de descolonização decorrente
da legítima reivindicação dos saharauis, acelerado pela independência
conquistada por colônias vizinhas que compõe o Grande Magreb (ocidente),
localizado no noroeste da África, no mesmo período - Líbia (1951), Marrocos
(1956), Mauritânia (1960), Tunísia (1960), Argélia (1962) - resultou também da
Resolução 1514, emanada da (XV) Assembléia Geral das Nações Unidas em 14 de
dezembro de 1960, que culminou com a Declaração sobre a Concessão da
Independência aos Países e Povos Coloniais.
Assim proclama o preâmbulo
da Convenção:
Levando em consideração que os povos do mundo proclamaram na
Carta das Nações Unidas que estão decididos a reafirmar a fé nos direitos
fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade
de direitos entre os homens e as mulheres e das nações grandes ou pequenas, e a
promover o progresso social e a elevar o nível de vida dentro de um conceito
amplo de liberdade; Consciente da necessidade de criar condições de
estabilidade e bem-estar e relações pacíficas e amistosas baseadas no respeito
aos princípios de igualdade de direitos e à livre determinação dos povos, e de
assegurar o respeito universal dos direitos humanos e as liberdades
fundamentais para todos sem fazer distinção por motivo de raça, sexo, idioma ou
religião, e a efetividade de tais direitos e liberdades, Reconhecendo o
fervoroso direito que todos os povos possuem dependentes e o papel decisivo de
tais povos na conquista de sua independência; Consciente dos crescentes
conflitos que surgem do ato de negar a liberdade a esses povos e de impedi-la,
o qual constitui uma grave ameaça à paz mundial; Considerando o importante
papel que corresponde às Nações Unidas como meio de favorecer o movimento em
prol da independência em territórios ocupados e em territórios não autônomos; Reconhecendo
que os povos do mundo desejam ardentemente o fim do colonialismo em todas as
suas manifestações; Convencida que a continuação do colonialismo impede o
desenvolvimento da cooperação econômica internacional, dificulta o
desenvolvimento social, cultural e econômico dos povos dependentes e age contra
o ideal de paz universal das Nações Unidas; Afirmando que os povos podem, para
seus próprios fins dispor de suas riquezas e recursos naturais sem prejuízo das
obrigações resultantes da cooperação econômica internacional, baseada no
princípio do proveito mútuo e do direito internacional; Acreditando que o
processo de liberdade é irresistível e irreversível e que a fim de evitar
crises graves, é preciso pôr fim ao colonialismo e a todas as práticas de
segregação e discriminação que o acompanham; Celebrando que nos últimos anos
muitos territórios dependentes tenham alcançado a liberdade e a independência e
reconhecendo as tendências cada vez mais poderosas em direção á liberdade que
se manifestam nos territórios que não tenham obtido ainda sua independência; Convencida
de que todos os povos têm o direito inalienável à liberdade absoluta, ao
exercício de sua soberania e à integridade de seu território nacional; Proclama
solenemente a necessidade de pôr fim rápido e incondicional ao colonialismo em
todas as suas formas e manifestações;
Verdadeiro ultimato,
a Resolução 1514 visava dar fim as fraticidas lutas desenvolvidas em busca da
liberdade e reduzir a importância do crescente movimento do pan-arabismo
(reunião de todos os países de maioria árabe-muçulmana para lutar contra os
interesses estrangeiros e pela descolonização do continente).
Os artigos da Convenção declaram
expressamente que:
1.
A sujeição dos povos a uma subjugação, dominação
e exploração constitui uma negação dos direitos humanos fundamentais, é
contrária à Carta das Nações Unidas e compromete a causa da paz e da cooperação
mundial;
2.
Todos os povos tem o direito de livre
determinação; em virtude desse direito, determinam livremente sua condição
política e perseguem livremente seu desenvolvimento econômico, social e
cultural.
3.
A falta de reparação na ordem política, econômica
e social ou educativa não deverá nunca ser o pretexto para o atraso da
independência.
4.
A fim de que os povos dependentes possam exercer
de forma pacífica e livremente o seu direito à independência completa, deverá
cessar toda ação armada ou toda e qualquer medida repressiva de qualquer índole
dirigida contra eles, e deverá respeitar-se a integridade de seu território
nacional.
5.
Nos territórios, sem condições ou reservas,
conforme sua vontade e seus desejos livremente expressados, sem distinção de
raça, crença ou cor, para lhes permitir usufruir de liberdade e independência
absolutas.
6.
Toda tentativa encaminhada a quebrar total ou
parcialmente a unidade nacional e a integridade territorial de um país é
incompatível com os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas.
7.
Todos os estados devem observar fiel e
estreitamente as disposições da Carta das Nações Unidas, da Declaração
Universal de Direitos Humanos e da presente declaração sobre a base da
igualdade, da não intervenção nos assuntos internos dos demais Estados e do
respeito aos direitos soberanos de todos os povos e de sua integridade
territorial.
O escopo desta resolução era garantir a
organização mundial como centro da tomada de decisões e demonstrar que a defesa
dos direitos humanos era pauta prioritária, estando acima de interesses
pontuais para a recém criada Organização das Nações Unidas.
Diante da eminente descolonização, a
Espanha, em 1974, pressionada pela Resolução 1514 de 1960 (XV) da Assembléia
Geral das Nações Unidas, anunciou a realização do referendo, cumprindo
determinação no sentido de que a colônia decidisse seu destino.
O governo franquista reagiu à ofensiva independentista
com uma manobra política para ganhar tempo e criar as bases sobre as quais
erigir um futuro governo saharaui “independente” que garantisse os interesses
económicos espanhois. No dia 20 de agosto enviou uma nota ao secretário geral
da ONU anunciando a intençao de celebrar um referendo no Sahara sob os auspícios
e garantias desse organismo, durante o primeiro semestre de 1975. Ao mesmo
tempo impulsionou a formação de um partido político fiel aos interesses
espanhóis, o “Partido de Uniao Nacional Saharaui” - PUNS.
O rei marroquino à
época, Hassan II, percebendo que a independência saharaui colocaria em risco
seu projeto de expansão ao sul da fronteira marroquina, recorreu, junto com o
representante da Mauritânia, à Assembléia das Nações Unidas, reivindicando a
soberania sobre a região.
Entretanto, o anúncio sobre a próxima celebração do
referendo de autodeterminação, fez com que os goverrnos marroquino e mauritano
levassem a questão do Sahara perante a Corte Internacional de Justiça. A
Assembléia Geral da ONU aceitou a solicitação e por isso foi adiada a consulta popular
até que o Tribunal de Háia emitisse seu dictame à respeito.
Provocada pelas partes, a Assembléia
Geral da ONU solicitou uma opinião consultiva à Corte Internacional de Justiça
em Háia, sobre duas questões:
I -
Era o Sahara Ocidental (Río de Oro e Saguia El Hamra) ao tempo da colonização
espanhola um território sem dono (terra nullius)?
Se a resposta à primeira questão for respondida
negativamente, então:
II -
Quais eram os vínculos jurídicos entre esse território com o Reino de Marrocos
e a entidade Mauritânia?
No
dia 16 de outubro de 1975 a Corte Internacional, através do comunicado nº75/10
emitiu seu ditame. Em relação com a primeira questão, entendeu que:
A informação fornecida à Corte demonstra que ao tempo da
colonização o Sahara Ocidental era habitado por populações que, mesmo nômades,
eram social e politicamente organizadas em tribos, sob o comando de chefes
competentes para representá-las.
Em relação com a segunda questão,
concluiu a Corte:
Os elementos e informações
levados ao conhecimento da Corte demonstram a existência ao tempo da
colonização espanhola de laços e“allegiances” (espécie de vassalagem)
entre o Sultão de Marrocos e algumas das tribos que habitavam o território do
Sahara Ocidental. Mostram igualmente a existência de direitos, incluindo alguns
relacionados à terra, que constituíam vínculos jurídicos entre a entidade da
Mauritânia, como entendeu a Corte, e o território do Sahara Ocidental. Por
outro lado, a Corte concluiu que os elementos e informações levados ao seu
conhecimento não estabeleceram a existência de nenhuma relação de soberania
territorial entre o território do Sahara Ocidental e o Reino de Marrocos ou a
entidade da Mauritânia. Deste modo, a Corte não encontrou vínculos jurídicos de
natureza a modificar a aplicação da Resolução 1514 (XV) da AssembléiaGeral
quanto à descolonização do Sahara Ocidental e, em particular, à aplicação do
princípio da autodeterminação graças à expressão livre e autêntica da vontade
das populações do território.
A decisão da Corte
Internacional de Justiça, ao reconhecer o Sahara Ocidental como território saharaui,
retirou o caráter de disputa territorial e deixou cristalizado os interesses
econômicos, políticos e militares que prevalecem sobre o território saharaui.
Vencidos no campo
jurídico, em 31/10/1975, o Marrocos e a Mauritânia tomaram de assalto a região
disputada, na ação que ficou conhecida como “Marcha Verde”, onde 350.000
marroquinos, na maioria desempregados, caminharam em direção ao território
saharaui e ocuparam as cidades, enquanto o exército marroquino e mauritano
iniciavam a ofensiva militar, tentando estabelecer um caráter de fato
consumado, portanto irreversível, onde coube ao Marrocos 2/3 do território
situado ao norte da região e à Mauritânia 1/3 das terras ao sul.
Em 1975 com o apoio do então Secretário de Estado
norte-americano Henry Kissinger e do Presidente francês Giscard D’Estaing,
Hassan II organiza a “Marcha Verde”, enviando ao Sahara Ocidental, para além
das fronteiras marroquinas, milhares de miseráveis, e convoca, para presenciar
o espetáculo, jornalistas de vários países ocidentais.
Perseguidos quando rumavam para o
interior do deserto, os saharauis não puderam beber água nos poucos poços
disponíveis porque foram envenenados. Ao acamparem, sofreram ataques aéreos com
bombas de Fósforo Branco e Napalm, o mesmo produto químico utilizado em grande
escala no Vietnam na mesma época.
Estes acampamentos, alguns com mais de 60 mil refugiados,
seriam sistematicamente bombardeados pela aviação marroquina, com Napalm e
Fósforo Branco. A chegada de ajuda humanitária do exterior foi bloqueada. Os
esparsos rebanhos de camelos e cabras, base da alimentação do povo saaraui,
foram metralhados do alto pelos aviões. Os poços do interior foram envenenados.
A intervenção com armas químicas
provocou um êxodo maciço dos sobreviventes que encontraram abrigo Argélia, onde
foram acolhidos e vivem nos acampamentos instalados em Tindouf até os dias de
hoje, em situação de calamidade, subsistindo exclusivamente da ajuda
humanitária fornecida pela Organização das Nações Unidas - ONU.
Sem
oferecer resistência armada, somente no campo diplomático, em evidente manobra
que visava dissimular a entrega do território ao Marrrocos e à Mauritânia, a Espanha
sentou à mesa com os invasores e negociou um acordo tripartite, nesses exatos
termos:
Em Madrí a 14
de novembro de 1975 e reunidas as delegações que legitimamente representam os
Governos da Espanha, Marrocos e Mauritânia, se manifiestam de acordo nos
seguintes princípios:
1) - Espanha
ratifica sua resolução, reiteradamente manifestada perante a ONU, de
descolonizar o território do Sahara Ocidental pondo fim à responsabilidades e
poderes que tem sobre dito território como potência administradora.
2) - De
conformidade com a anterior determinação e de acordo com as negociações
impulsionadas pelas Nações Unidas com as partes afetadas, Espanha procederá de
imediato a instituir uma administração temporal no território na que
participarão Marrocos e Mauritânia em colaboração com a Yemáa (...) A
terminação da presença espanhola no território se fará definitivamente, antes
do 28 de fevereiro de 1976.
3) - Será
respeitada a opinião da população saharaui expressada através da Yemáa.
4) - Os três
países declaram ter chegado à anteriores conclusões com o maior espírito de compreensão, fraternidade e respeito dos
princípios da Carta das Nações Unidas e como a melhor contribuição à manutenção
da paz e da segurança internacionais.
O acordo celebrado que cedeu temporariamente
a administração do território aos invasores, violou o artigo 73º da Carta das
Nações Unidas, capítulo XI - Declaração Relativa a Territórios Não
Autônomos - assim redigido:
Os membros das Nações Unidas que
assumiram ou assumam responsabilidades pela administração de territórios cujos
povos ainda nãose governem completamente a si mesmos reconhecem o princípio do primado
dos interesses dos habitantes desses territórios e aceitam, como missão
sagrada, a obrigação de promover no mais alto grau, dentro do sistema de paz e
segurança internacionais estabelecido na presente Carta, o bem-estar dos
habitantes desses territórios, e, para tal fim:
a.
Assegurar, com o devido respeito pela cultura dos povos interessados, o seu
progresso político, económico, social e educacional, o seu tratamento
equitativo e a sua protecção contra qualquer abuso;
b.
Promover o seu governo próprio, ter na devida conta as aspirações políticas dos
povos e auxiliá-los no desenvolvimento progressivo das suas instituições
políticas livres, de acordo com as circunstâncias peculiares a cada território
e seus habitantes, e os diferentes graus do seu adiantamento;
c.
Consolidar a paz e a segurança internacionais;
d.
Favorecer medidas construtivas de desenvolvimento, estimular pesquisas, cooperar
entre si e, quando e onde for o caso, com organizações internacionais
especializadas, tendo em vista a realização prática dos objectivos de ordem
social, económica e científica enumerados neste artigo;
e.
Transmitir regularmente ao Secretário-Geral, para fins de informação, sujeitas
às reservas impostas por considerações de segurança e de ordem constitucional,
informações estatísticas ou de outro carácter técnico relativas às condições
económicas, sociais e educacionais dos territórios pelos quais são
respectivamente responsáveis e que não estejam compreendidos entre aqueles a
que se referem os capítulos XII
e XIII.
Do texto do acordo, conclui-se que a
Espanha, como potência administradora, não transferiu a soberania nem conferiu
a qualquer dos signatários a condição de potência administradora, por ser
atribuição exclusiva da Assembléia Geral das Nações Unidas, estabelecendo o
prazo até 28 de fevereiro de 1976 para a administração tripartite encerrar seus
trabalhos.
Estando obrigada pela Resolução 1514 de
1960 a proceder a efetiva descolonização do território, ao abandonar o povo
saharaui a sua própria sorte, a Espanha colocou o Acordo em confronto com a
resolução que obriga a descolonização, questão esta enfrentada pelo artigo 103º
da Carta das Nações e fulminada pelo artigo 53º da Convenção de Viena sobre o
Direito dos Tratados de 23 de maio de 1969:
É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite
com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da
presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma
norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um
todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser
modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza.
Do ponto de vista legal, o status
jurídico da RASD é o de território não autônomo, cuja proteção e administração
delegada à Espanha é regulada no Capítulo XI, artigo 73º da Carta das Nações
Unidas. Quando houve a invasão, o povo saharaui aguardava a implementação da
Resolução 1514, que já havia assegurado a independência aos seus vizinhos.
Diante deste comando mandamental, a
Espanha é a potência administradora que irresponsavelmente repassou o
território em flagrante e ilegal violação da determinação prevista,
permanecendo intactas suas atribuições em conformidade com a Carta.
O status jurídico do Marrocos é o de
potência ocupante, ensejando o acionamento da medida repressiva prevista no
Capítulo VII, artigos 39, 41 e 42, da Carta das Nações Unidas, sob o título “Ação
relativa a ameaças à paz, ruptura da paz e atos de agressão”, recurso a ser
utilizado quando outras ações de caráter conciliatório previstas no artigo 40,
não apresentarem resultado satisfatório. Decorridos 38 anos, constata-se que a
ONU não consegue impor às partes uma decisão da Corte Internacional de Justiça,
em flagrante desrespeito à Instituição.
Para corroborar o que foi afirmado, trazemos
uma síntese da Resolução 380 exarada pelo Conselho de Segurança em 06 de
novembro de 1975, no calor da invasão (31/10/1975), após os invasores
desrespeitarem as Resoluções 377 (22/10/1975) - pedia cautela e moderação às partes em conflito – e a Resolução 379
(02/11/1975) - reafirma a Resolução 377;
reafirma a Resolução 1514 como aplicável ao território saharaui; e exorta as
partes envolvidas e interessadas para evitar
qualquer ação unilateral ou de outra índole que aumente a tensão na região.
A Resolução 380 determinou ao Rei Hassan
II que: em que pese as Resoluções 377 e
379 terem solicitado para que o rei do Marrocos com urgência colocasse
imediatamente fim a marcha declarada sobre o sahara ocidental, esta ocorreu.
Com base nessas Resoluções: 1) deplora a realização da marcha; 2) manda que o Marrocos se retire imediatamente
do sahara ocidental, assim como todos participantes da marcha.
A presença como parte no conflito
instaurado de duas potências mundiais com assento permanente no Conselho de
Segurança da ONU, França e EUA, agregado aos subreptícios interesses da União
Européia, deslocou a interpretação dos artigos 39 ao 51, estampados no Capítulo
VII da Carta das Nações Unidas que, inevitavelmente levaria a aplicação de
medidas coercitivas destinadas a empurrar o Marrocos de volta às fronteiras
herdadas do colonialismo, para o Capítulo VI, artigo 33 ao 38, que prevê a “Solução
pacífica de controvérsias”.
Diante dos vícios que revestiram o acordo
tripartite realizado sem a presença da RASD, e da proximidade da data para
entrega do território, as lideranças saharauis decidiram proclamar a
independência no dia anterior a data prevista no cronograma espanhol, ou seja,
27 de fevereiro de 1976.
A República Árabe Saharaui Democrática nasceu na noite do 27 de
fevereiro de 1976 em Bir Lehlu, na regiao de Saguia El Hamra, bem perto da
fronteira com a Mauritânia. Poucas horas antes, na capital, El Aaiún, o último
representante da administraçao colonial tinha anunciado oficialmente o final da
presença espanhola no território e, portanto, era necessário evitar que o vácuo
jurídico deixado pela metrópole, fosse utilizado no plano internacional pelo
expansionismo marroquino e mauritano.
Naquela noite, perante um grande número de combatentes e
dezenas de jornalistas, o secretário geral da Frente POLISARIO, El Uali,
proclamou o novo Estado com as seguintes palavras:
“Em nome e com a ajuda de Deus e materializando a vontade do
nosso povo árabe saharaui, por fidelidade ao sangue dos nossos gloriosos
mártires e como coroaçao de imensos sacrificios, se iça hoje a bandeira da
República Árabe Saharaui Democrática sobre a terra de Saguia El Hamra e Rio de
Oro”
A população do Sahara Ocidental é de
aproximadamente 500.000 habitantes, constituída de árabes e negros de origem
nômade, que se submeteram a uma sedentarização forçada somente após a
colonização espanhola. Sua cultura é árabe e preserva a tradição oral. Suas
línguas oficiais são o hassania (variante dialetal do árabe) e o espanhol,
aprendizado este decorrente do período colonial.
Com 286.000 km², seu território é
cobiçado pelas potências ocidentais e acossado pela política expansionista
marroquina, pois possui as maiores jazidas de fosfato do mundo, petróleo, gás,
ferro e urânio, sendo que, ao longo de seus 1062 km de costa, temos um dos
maiores bancos pesqueiros do planeta.
A República Árabe Saharaui Democrática –
RASD, ocupada pelo agressor Marrocos (potência ocupante), na condição de
território não autônomo, tem sua população dividida pelo Muro da Vergonha -
obra que corta o território do norte ao sul do país - em: zona ocupada, ao
oeste do muro em direção ao litoral, ocupando 3/4 da área, onde vivem sob a
repressão da polícia marroquina, sofrendo graves violações de direitos humanos;
zona liberada, ao leste em direção a fronteira com a Argélia, em compasso de
espera, onde permanecem estacionadas as forças de resistência da Frente
Polisário respeitando o armistício acordado com a intervenção da Organização das
Nações Unidas.
Entretanto, mais da metade da população
vive na condição de refugiados em Tindouf, na Argélia, para onde rumaram quando
foram expulsos do seu território pela forças marroquinas e mauritanas em 1975,
com o apoio decisivo – logístico, humano e material - dos norte americanos e
dos franceses. Nesta retirada, os que sobreviveram aos bombardeios com Napalm e
Fósforo Branco, aos ferimentos, ao frio, ao calor, à fome e à sede, foram
acolhidos pelo governo argelino.
Decorridos 38 anos, agrupados em
acampamentos no deserto, os refugiados saharauis se organizaram e estruturaram
um sistema político e social capaz de dar vida a um Estado Democrático Moderno.
Sua estrutura político-administrativa é assim descrita por Emiliano Gómez
Lópes:
A autoridade política suprema da República é o Comitê Executivo
da Frente POLISARIO, também denominado Conselho de Mando da Revoluçao. Este
órgao tem sete membros, um dos quais é, ao mesmo tempo, secretário geral da
Frente POLISARIO e presidente da República. Adjunto ao Comitê Executivo está o
Bureau Político composto por 21 membros.
Como todo Estado republicano, a RASD possui os três Poderes:
Executivo, Legislativo e Judiciário:
O Poder Executivo está representado pelo Governo nacional, ou
seja, pelo Presidente da República e seu Conselho de Ministros.
El Poder Legislativo ésta representado pelo Conselho Nacional
Saharaui, constituido por 41 membros, 21 dos quais formam parte do Bureau
Político da Frente POLISARIO e outros 20 são eleitos pelos Congressos Populares
de Base.
Isto quer dizer que os 21 representantes que estao no Bureau
Político, sao eleitos cada três anos pelo Congresso Popular Geral, no entanto
os 20 restantes sao renovados todo ano pelos Congressos Populares de Base.
El Poder Judiciário está representado pelo Conselho Judiciário
do qual depende a Corte Suprema do Povo e o Tribunal de Apelação. A “sharia”
(1), de acordo com a Constituiçao, é a fonte das leis na RASD.
A administraçao da República consta de três níveis: Nacional,
Wilaya (provincia) e Daira (municipio). Atualmente existem quatro Wilayas cujos
nomes: Aaiún, Dajla, Smara y Auserd, se correspondem com outras tantas cidades
saharauis sob ocupaçao marroquina.
Cada Wilaya esta composta por várias Dairas e sua administraçao
é exercida pelo Conselho Popular de Wilaya, presidido por um Wali (governador)
e integrado pelos presidentes dos Conselhos Populares de Daira. Cada uma das
quais agrupa vários milhares de cidadãos.
As Dairas agrupam vários milhares de cidadaos e são
administradas pelo Conselho Popular de Daira, composto pelo presidente e os
encarregados dos cinco Comitês Populares de Base que agem nas suas respectivas
áreas de atividade: educaçao, alimentaçao, saúde, justiça, etc.,
A actividade das Dairas e analisada anualmente pelos Congressos
Populares de Base. Nestes Congressos se elegem os 20 membros do Conselho
Nacional Saharaui (Parlamento) que vão estar representando às bases durante um
ano.
O Congresso Popular Geral é a máxima assembléia do povo
saharaui. Ele se realiza cada três anos, elege o Comité Executivo, o Bureau
Político e o Secretário Geral da Frente POLISARIO, e pode introduzir mudanças
na Constituiçao Nacional.
A República Árabe Saharaui Democrática -
RASD é reconhecida por 82 nações do mundo inteiro, incluídas todas as nações que
compõe a União Africana – UA, exceção feita ao Marrocos, país vizinho que
durante a transição referente à entrega do território pela potência
administradora, apoiado por potências ocidentais – especialmente Espanha,
Estados Unidos e França - com interesses políticos, militares e econômicos na
área, invadiu a região.
Sobre a consagração
do direito de autodeterminação, é luminosa a manifestação de Cançado Trindade:
O surgimento dos direitos dos povos no âmbito do Direito
Internacional dos Direitos Humanos teve como antecedente histórico a asserção
de seu direito de autodeterminação, pela Declaração sobre a Outorga de
Independência aos Países e Povos Coloniais (1960) e resoluções subseqüentes da
Assembléia Geral das Nações Unidas. Tal asserção veio prontamente a contar com
o reconhecimento judicial, mormente mediante Pareceres da Corte Internacional
de Justiça sobre a Namíbia (de 21.06.1971) e o Sahara Ocidental (de 16.10.1975).
No primeiro parecer, a Corte da Haia ponderou, em relação aos sistemas de
mandato, que os desenvolvimentos dos últimos cinqüenta anos – desvendando a
expansão do corpus júris gentium no presente domínio – não deixam margem
de dúvida de que “o objetivo último da missão sagrada (sacred trust) era a autodeterminação e independência dos
povos em questão”. E, no segundo Parecer, a Corte concluiu em favor da
resolução 1514 (XV) da Assembléia Geral das Nações unidas “na descolonização do
Sahara Ocidental e, em particular, do princípio da autodeterminação mediante a
expressão livre e genuína da vontade dos povos do Território”.
Um território sem governo próprio (no sentido do capítulo XI da
Carta das Nações Unidas) passou a ser tido como dotado de um status jurídico
internacional que gera obrigações de respeito ao direito de autodeterminação de
seu povo, de salvaguarda dos direitos humanos de seus habitantes, e de
não-exploração de seus recursos naturais. Na prática do Direito Internacional,
o exercício do direito de autodeterminação dos povos floreceu precisamente nas
experiências de plebiscitos e consultas aos habitantes dos territórios sob
mandato (e no regime de minorias sob a Liga das Nações), sob tutela e sem
governo próprio, - as quais, por sua vez, fomentaram o desenvolvimento do
preparo político e educacional, e levaram à emancipação política – sobretudo
nas décadas de sessenta e setenta – numerosos povos e países coloniais.
Já então se evidenciava que as relações internacionais não mais
se limitavam às relações puramente inter-estatais, porquanto as relações entre
um território sem governo próprio e a autoridade encarregada de sua
administração passaram a revestir-se de caráter internacional, tendo presentes
as responsabilidades internacionais estabelecidas pelo capítulo XI da Carta das
Nações Unidas. A célebre resolução da Assembléia Geral sobre “Princípios do
Direito Internacional que regem as Relações Amistosas e Cooperação entre os
Estados” (de 1970) consagrou efetivamente, entre seus princípios, o da
autodeterminação dos povos, alçado, na época, ao nível de princípio básico do
Direito Internacional.
Na América do Sul, somente três países
ainda não reconheceram o direito à autodeterminação e independência Saharaui –
Brasil, Argentina e Chile – sendo que neste último, o procedimento para o
reconhecimento encontra-se com o processo legislativo em estágio avançado.
Assim, desautorizada as Nações Unidas, as
partes em conflito com assento no CS passaram a conduzir as ações em proveito
próprio, e abriu-se o caminho para a não aplicação da Resolução 1514 ao caso
saharaui (1960), para desrespeitar a decisão da Corte Internacional de Justiça
diante de uma questão proposta pelos agressores, Marrocos e Mauritânia, e que
não lhes favoreceu (1974), para não punir os invasores que violaram normas
internacionais ao utilizarem armas químicas durante a invasão (1975), para a
construção de um muro com 2.720 km para segregar o povo saharaui em seu próprio
território (1980), para a colocação de minas terrestres ao longo do infame muro,
em confronto com a Convenção de Genebra (1980/1991), para a desobediência da
Resolução 690 do CS que determina a realização do referendo (1991), para
autorizar a permanente exploração e comercialização dos recursos naturais de
território não autônomo, e por fim, sem a pretensão de exaurir as violações às
normas internacionais, para permitir o total desprezo pela violação sistemática
dos direitos humanos do povo saharaui, avalizada pelo Conselho de Segurança da
ONU.
DHNET. Resolução 1514. Declaração sobre a concessão da
independência aos países e povos coloniais. Assembléia Geral das Nações
Unidas. New York, 14 dez. 1960.
LÓPES, Emiliano
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história de luta anticolonialista. albamovimientos.org. Espanha, mar.
2012. Capítulo 5, 5.2.
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LÓPES,Emiliano Gomes.A República saharaui, uma história de
luta anticolonialista. Cap.5,5.5.
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Relativa a Territórios Sem Governo Próprio. Conferência das Nações Unidas, São Francisco, 26 jun. 1945.
CONVENÇÃO DE VIENA
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(jus cogens).
LÓPES, Emiliano
Gomes. A República saharaui, uma história de luta anticolonialista. albamovimientos.org.
Espanha, mar. 2012. Capítulo
6, 6.1.
LÓPES, Emiliano
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Espanha, mar. 2012. Documento 3.
CANÇADO
TRINDADE, Antonio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos
Direitos Humanos. 2. Ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor,
2003, Volume III. p. 323
- 325.
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