A Estrela e o Rei
No país do futuro, insanos governantes festejam o
passado macabro, negam a tragédia diária e ofuscam o brilho dos sonhos.
Neste cenário shakespeariano, a estrela substitui e se confunde com o bufão fardado de nazista
na lida diária como serviçais do rei.
Após a substituição forçada, à estrela
coube a missão de entreter o soberano, fazê-lo rir, chorar, se emocionar.
Ao trocar o bufão pela estrela, o rei
manteve a expectativa em relação ao desempenho, ou seja, deveria ela fazer
rir por falar ou comportar-se de modo cômico, ridículo, inoportuno e
indelicado.
Por capricho e egoísmo, o rei exigiu
da nova bobinha da corte exclusividade em relação aos serviços prestados, mas
não sem antes confortá-la com o caridoso apelido de "namoradinha" do
reino verde oliva.
Mas, considerando que sua experiência
e tempo de estrelato fora do palácio, com reconhecimento nacional e
internacional, poderia ofuscar a presença real, deveria ela calar, obedecer
cegamente o comando dos seus auxiliares, negar suas origens, afastar-se dos
pleitos corporativos, mesmo que justos, rasgar sua identidade, vestir uma
fantasia ridícula e adotar uma nova persona.
A tarefa não parecia difícil para
quem passara a vida encarnando personagens com os quais não se identificava,
pessoas demasiadamente delicadas, sensíveis, humanas, verdadeiras.
Desta forma, a nova missão permitiu
que exsurgisse do âmago daquela menininha de aparência frágil, doce e gentil, o
ogro adormecido que habitava n'alma.
Enfim, o personagem encontrara um
corpo e o cenário era o palácio em chamas.
Em evento digno de uma estrela,
trombetas soaram e sinos dobraram para que o Anjo Marcado descobrisse como é viver na Selva de Pedra, ser conhecida
como a Rainha da Sucata e
transformar seus parceiros de jornada cultural em uma Legião dos Esquecidos.
Tateando às cegas, Por Amor e sem Sétimo Sentido, cometeria o Terceiro Pecado na terra onde Vale Tudo para escrever uma História de Amor nas Páginas
da Vida.
Assim, a Deusa Vencida preferiu sucumbir
à Megera Domada para conviver
com os Irmãos Covardes e entre
Os Estranhos, desprezando o Véu de Noiva para ser chamada Minha Doce Namorada por aquele
que de Carinhoso não tem
nada.
Criada num ambiente castrense e vivendo uma longa experiência profissional na empresa de comunicação responsável por legitimar narrativas e atos da direita, a estrelinha foi submetida ao discurso único e se rendeu a narrativa que enaltece torturador Brilhante, criminaliza a esquerda e representa o capital predador.
Neste
universo burlesco, em voluntário alinhamento com o rei, imagens distorcidas do
passado transformaram realidade em ficção, ditadores em presidentes,
mentiras em verdade, torturadores em heróis, insurgentes em terroristas,
injustiça em justiça, desigualdade em igualdade, prisão em liberdade
condicional.
Nesse contexto, a militante de internet, ingênua e
despreparada, adotou a polarização imprimida pelo mito, direita/esquerda, e
confundiu ideologias que pautam a condução política das sociedades e são opostas nos seus princípios, propósitos e ações, com a governança
criminosa do rei que não respeita as diferenças e fomenta a xenofobia, o
racismo, o preconceito, a homofobia, a intolerância, a misoginia e tantas
outras formas de discriminação que pensávamos já estarem erradicadas nas
sociedades plurais e protegidas pela lei.
Embora tenha havido diversas tentativas de dividir o
povo brasileiro entre ricos e pobres, negros e brancos, capitalistas e
comunistas, héteros e homossexuais, católicos e evangélicos, ateus e
cristãos, patrões e empregados, petralhas e coxinhas, vândalos e bonzinhos,
civis e militares, esquerda e direita, o fato é que até agora a nação se
mantinha unida e refratária a qualquer iniciativa que fraturasse a identidade
geográfica, cultural, social, econômica e política do Brasil.
Não mais...a estrela fez suas escolhas e mergulhou de "cabeça" nas trevas.
Mas o
soberano tem pressa...sua trajetória revela que desrespeita conquistas democráticas, odeia o contraditório, defende a tortura, ama torturadores, despreza direitos humanos e o meio ambiente, desconhece a educação, a saúde, a segurança, homenageia sicários, odeia mulheres, negros, pobres, povos
originários e a diversidade de ser e agir do nosso povo.
Tem pressa e quer divertimento, ver o circo pegar fogo...
Chegou a hora de dar expediente...e a ilustre filha da ditadura sentiu-se confortável por fazer parte do "seleto" grupo que detém o poder, composto por militares, militares, militares, mil...altamente treinados no Haiti (leia-se: atirar antes e perguntar depois, agir à margem da lei, impunidade assegurada, medalha garantida).
As narrativas que encantaram o pum do palhaço foram suavizadas pelas cores que formam o cenário tragicômico e pelas vestes multicoloridas dos personagens, assim: o reino é verde, o golpe é branco, o rei é cor de burro quando foge, a estrela é roxa, o inimigo é vermelho, o amigo é azul, a pandemia é amarela, caixões são marrons.
Cena 666/claquete em punho, luz, câmera, ação...
Numa
solenidade no palácio, enquanto a estrela bufão entretinha o rei, chegou um
mensageiro com a seguinte mensagem:
- Há peste
lá fora, o povo está morrendo!
De pronto
e sem pensar, como é do seu estilo, responde o soberano:
- E daí,
sou Messias mas não sou Deus! Isto é só uma gripezinha, um resfriadinho!
Nisso, o
jovem mancebo, não sabendo o risco que corria, se dirigiu aos generais
presentes, comandantes da guarda pretoriana, e disse:
- O senado
está em polvorosa, senadores desobedecem as ordens!
O comandante
que ostentava galardões em sua farda que não cabiam em seu pequeno corpo,
conquistados a ferro e fogo no Haiti, onde é conhecido como genocida, respondeu
também de pronto:
- Foda-se!
Mas...os jurisconsultos ainda não se dobraram, exclamou o rapaz, já
superando os limites da prudência, no que foi apartado pelo general calvo vestido
a paisana, de fala mansa, suave e generosa:
- Fiquem tranquilos! Sou amigo do presidente do FTS. Fui seu assessor. Parece
ereto mas já se curvou há muito tempo. Noutro dia me fez um favor e manteve a
ordem do dia que exalta o nosso golpe, 31/03/1964, violando ostensivamente a CF
e o CPB.
Diante dos brados de Urra! Urra!...cercado por uma legião de fiéis ensandecidos curvados em posição reverencial, aparentemente leais, apesar de não testados, o
rei substima os sinais de ameaça e pede música gospel, exigindo da estrela
plantada no capacho aos seus pés que volte ao trabalho e entregue o que
prometeu:
Espezinhar seu povo, negar sua classe, divertir o soberano e, sem chorar, legitimar
o tirano.
Nesta curta e insana peregrinação, onde foi usada e descartada, a estrela não deixou de brilhar mas se afastou o suficiente do globo terrestre e do seu povo para descobrir que a cortina caiu, que a terra é redonda, que o ser humano perdoa e que o rei é louco e genocida.
É hora de separar os meninos dos homens. Meia volta volver!
PS: qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência.
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