Um acontecimento inédito, pela primeira vez um Secretário-Geral da ONU visita Tindouf e pisa solo Saharaui. Uma visita anunciada, mas também um alvo de controvérsias, por parte do Reino de Marrocos. Por Né Eme
"Fazer avançar a situação do Sahara Ocidental é muito importante. Espero trazer a minha contribuição para as negociações em curso, visando resolver esta longa disputa e encorajar as negociações para que os refugiados Saharauis, possam voltar com dignidade para as suas casas no Sahara Ocidental".
Palavras ditas pelo Secretário Geral das Nações Unidas em Nouakchott, na Mauritânia, no dia anterior à sua chegada a Tindouf, para visitar os acampamentos de refugiados Saharauis e reunir com membros da Frente Polisario e da Minurso.
Um acontecimento inédito, uma vez que é a primeira vez que um Secretário-Geral da ONU visita Tindouf e pisa solo Saharaui.
Uma visita anunciada, mas também um alvo de controvérsias, por parte do Reino de Marrocos.
O Sr. Ban Ki-moon, fez-se acompanhar pelo seu enviado especial para o Sahara Ocidental, o Sr. Ross, cuja visita aos territórios ocupados, mais concretamente a El Aaiun, a capital do Sahara Ocidental lhe foi "vedada" pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, quando em fevereiro disse: se o Sr. Ross quer visitar ou ter reuniões em Marrocos terá que o fazer em Rabat, pois é Rabat a capital de Marrocos.
Mas a visita do Secretário-Geral das Nações Unidas, tardou 40 duros e longos anos. 40 anos de sangue e muita dor. Foi longa a espera. Uma longa espera, para uma visita tão curta em termos geográficos.
Se bem que visitar os acampamentos e os territórios livres foi um excelente progresso, teria sido muito mais abrangente e elucidativa se, contemplados tivessem sido os territórios ocupados do Sahara Ocidental.
Fotos: UN Photo-Evan Schneider
Nesta viagem pelo Norte de África, onde se junta o hashtag#ShareHumanity e a poucos meses de cessar funções como Secretário-Geral da ONU, o Sr. Ban Ki-Moon sentiu "in loco" a dureza da hamada Argelina e considerou "más" e "tristes" ( palavras do próprio) as condições de vida dos milhares de refugiados Saharauis, a viver nos acampamentos de Tindouf.
"Foi realmente triste ver a situação dos refugiados, em particular dos mais jovens. Pude observar os mais jovens que nasceram no início da ocupação, e que têm agora entre 40 a 41 anos e como tal sãos jovens que apenas conheceram 40 anos de uma vida difícil. A situação do Sahara Ocidental, tem sido esquecida pela comunidade internacional."
Mais tarde em Bin Lehlu, territórios livres do Sahara Ocidental, o Secretário-Geral da ONU conversou com alguns grupos de jovens, com os quais trocou impressões relativamente à situação política, aos seus desejos, aspirações e condições de vida. Foi informado sobre os constantes abusos por parte de Marrocos, e das contínuas perseguições e torturas de que são alvo, os seus amigos nos territórios ocupados. Conversaram sobre o muro da vergonha e a ameaça que representa para o povo Saharaui. Um muro mandado construir por Marrocos, que mede aproximadamente 2.700km, altamente perigoso por estar minado com cerca de 7 milhões de minas antipessoais.
Mais tarde, em reunião com o Sr. Mohamed Abdelaziz, o Sr. Ban Ki-Moon afirmou ser chegada a hora das Nações Unidas honrarem a sua palavra e credibilidade, cumprindo uma promessa com já 25 anos: A realização do Referendo!
Abordaram a questão, da ilegalidade da exploração dos recursos naturais do Sahara Ocidental por parte de Marrocos, para além das flagrantes e contínuas violações dos direitos humanos.
Talvez não tivesse noção o Sr. Ban Ki-Moon, da repercussão que teria perante Rabat, dizer que a presença de Marrocos no Sahara Ocidental é um caso de ocupação. Ou será que foi propositado...
Longe de #PartilharHumanidade, Marrocos contestou a forma como se comportou, quer em atos quer em palavras o Secretário-Geral das Nações Unidas. Num comunicado emitido pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, qualificou as palavras de Ban Ki-Moon de "politicamente inapropriadas". No mesmo comunicado acrescenta ainda que "sentiu uma enorme estupefação com os deslizes verbais, os factos consumados e os gestos injustificados de complacência na sua visita." Diz ter sido um insulto quer ao governo, quer ao povo marroquino, uma vez que o viu afastado na "neutralidade, imparcialidade e objetividade".
Em resposta, a ONU defende a neutralidade do Secretário-Geral na questão do Sahara Ocidental.
Afinal o "Sr. Ban Ki-Moon e a ONU são absolutamente neutrais nesta matéria. Os esforços do Secretário-Geral visam a resolução desta questão e a sua viagem teve como propósito principal chamar à atenção uma vez mais para a necessidade de uma solução para o conflito."
E Marrocos igual a si mesmo, segue com retaliações. Convoca manifestações e fecha a delegação da Minurso de Dakhla, nos territórios ocupados do Sahara Ocidental. Expulsa 84 funcionários da Minurso.
Vai ainda mais longe, enviando tanques de guerra, veículos blindados, armas pesadas e soldados para os territórios ocupados.
Consequentemente a Frente Polisario emite um comunicado onde anuncia, que o chefe do exército de Libertação Saharaui está a levar a cabo medidas no sentido de preparar os soldados para qualquer eventualidade de combate.
Adverte todas as organizações e instituições nacionais, a prepararem-se perante estes atos agressivos e provocadores do inimigo.
Pede ao povo Saharaui para manter a coesão nacional, a firmeza e a vontade de defender a unidade nacional e os direitos dos Saharauis, bem como a dignidade dos mártires.
Finalmente, a Frente Polisario denuncia estes atos, faz uma chamada à Comunidade Internacional, em especial ao Conselho de Segurança da ONU, no sentido de assumir as responsabilidades para resolver esta crise, instaurar a paz e oferecer o Referendo de autodeterminação ao povo Saharaui, conforme o ditado pelo Conselho de Segurança e a Assembleia Geral das Nações Unidas.
Expresso a minha opinião, dizendo que o Secretário-Geral das Nações Unidas, a meu ver deveria ter sido mais célere a resolver a questão dos Saharauis. Afinal num mandato de 9 anos, só se dignou a visitar o Sahara Ocidental a poucos meses de deixar o seu cargo, o que implica deixar a "batata quente" para o seu sucessor, caso não resolva este conflito até Janeiro de 2017. Por outro lado, o Sr. Ban Ki-Moon não foi determinado o suficiente nesta matéria, uma vez que a sua entrada nos territórios ocupados era mais que imperativa.
Se a ONU, na pessoa do seu Secretário-Geral com todos os seus meios, não tem capacidade para entrar num território ilegalmente ocupado, então... confiar em quem?
E termino esta breve consideração muito pessoal, com um pensamento que deixo no ar: A meu ver se os Saharauis já não tinham muitas razões para confiar nas Nações Unidas, agora têm muito menos.
Artigo de Né Eme
Fonte: http://www.esquerda.net/artigo/sahara-ocidental-o-de-ocupado/41957
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