AO BRAVO POVO SAHARAUI
FELIZ NATAL E UM PRÓSPERO ANO NOVO COM A RECONQUISTA DA TERRA E DA LIBERDADE
A tese
central do Livro “O Reino de Deus Está em Vós” de Leon
Tolstoi, segundo Fr. Clodovis Boff
O que Tolstoi sustenta
em todo o livro é a validade social do preceito de Cristo no Sermão da
Montanha: "Não resistais ao mal" (Mt 5,39). A frase se presta a ambiguidades.
O sentido que Tolstoi defende é: não resistais ao mal, ou seja, não respondais
à violência com a violência. Este é o sentido exato. Tolstoi não aceita a
máxima jurídica comumente aceita: vim vi repellere (repelir violência com violência).
Esta jamais pode ser legitimada apelando para o direito de "legítima
defesa".
Porque a violência é
sempre um mal, e não se pode responder ao mal com o mal. E isso, para ele, vale
tanto para o cristão como para um cidadão qualquer.
Por outro lado, para
Tolstoi, não se trata de permanecer passivo frente ao mal ou à violência, mas de
responder a ela pela não-violência: a bondade, a mansidão e a caridade. Esta é
a verdadeira resistência ao mal, segundo Tolstoi. Efetivamente, o sentido de
"não resistir" no Evangelho e no Novo Testamento em geral não é
"não fazer nada", mas não revidar, não contra-atacar, não retaliar,
enfim, não se vingar. Assim, o que se rechaça sem meias medidas é a lei do
talião, o pagar com a mesma moeda, "olho por olho, dente por dente".
Tolstoi leva
extremamente a sério o preceito evangélico da não-violência. Levanta-se contra
os que acreditam que a ordem de Cristo de "não-resistência ao mal" é
algo de inexequível, especialmente do ponto de vista social; ou que é um
piedoso exagero, carregado apenas de um valor simbólico. Não, para Tolstoi, os
preceitos do Sermão da Montanha, no caso a não-violência, são realmente
imperativos. Mas atenção: não se trata de leis morais ou regras jurídicas fixas
que devam ser aplicadas mecanicamente.
Não, são antes indicações de um ideal,
apelos éticos, "via de perfeição infinita", como ele se exprime. São
exigências morais absolutas, que têm a força de pôr em movimento a relatividade
do agir humano concreto./É verdade, tais preceitos têm um caráter assintótico:
aproximam da perfeição divina ("sede perfeitos como o Pai do Céu é perfeito"),
sem nunca chegar a atingi-la. Mas movem poderosamente a vontade naquela
direção.
Põem-na no caminho do divino. Para o profeta russo, tais preceitos não
pertencem à esfera exclusiva da religião ou da fé cristã. Eles traduzem o dinamismo
mais profundo do espírito humano. Manifestam a essência da alma humana, cuja
lei básica é a "lei do amor". Mexem com o divino que está dentro de cada
pessoa humana. Donde, como título do livro, a frase de Jesus: "O Reino de
Deus está em vós" (Lc 17,21).
Por isso essa doutrina vale para cada um e
para toda sociedade. A não-violência não diz respeito apenas ao cristão, mas
sim a toda a pessoa em geral. É, portanto, uma lei que deve animar e governar
toda sociedade humana, digna deste nome.
Para representar o
caráter singular dos radicais preceitos evangélicos, Tolstoi usa a bela
comparação do barqueiro, que, para chegar à outra margem de um rio rápido, não
pode se dirigir em linha reta, mas deve remar contra a corrente.
A não-violência
tolstoiana se exprime na não-cooperação, na desobediência civil e
particularmente no repúdio ativo a toda a servilidade. Tolstoi sabe que o poder
se alimenta da aceitação e do consenso. Pior: da obediência cega e da
submissão.
Contrapondo-se a isso,
quer tirar ao poder o tapete debaixo dos pés, para que assim venha ao chão. A
ética de Tolstoi é radicalmente libertária. Para ele, a liberdade é um atributo
inalienável e definitório do ser humano. Por isso, entre as frases que pôs no frontispício
do livro, lemos esta de São Paulo: "Não vos torneis servos dos
homens" (Cor 7,23).
Tolstoi não acredita
nos efeitos libertadores de uma revolução violenta, mesmo de tipo popular.
Considera-a, em primeiro lugar, politicamente inviável, levando-se em conta a
complexidade e a potência do Estado moderno. Em segundo lugar, tem-na por ineficaz,
pois instauraria necessariamente uma opressão mais cruel que a anterior.
Por isso, se levanta
conta os socialistas, comunistas e anarquistas de seu tempo por pretenderem
mudar a sociedade sem se mudarem a si próprios. Ataca também sua concepção
totalitária do Estado, segundo a qual a própria vida familiar e privada ficaria
sob a vigilância da polícia estatal, vida essa que o sistema liberal vigente
tinha pelo menos respeitado. Foi, na verdade, o que se verificou no regime de
Goulag. Como se vê, Tolstoi não era apenas certeiro em suas percepções
analíticas, mas também em suas intuições proféticas.
Seja como for, a
história está dando razão a Tolstoi: o princípio ético da não-violência está se
impondo cada vez mais em nossos dias. Nesse sentido pode-se afirmar, com o
profeta russo, um amadurecimento da consciência moral da humanidade. A Também
porque a violência se mostra cada vez mais ineficaz para resolver os conflitos
sociais, tanto no interno das nações colmo nas relações internacionais.
Retomando uma distinção de Kant, é possível constatar certo progresso em termos
de legalidade (no nível dos princípios), embora não necessariamente em termos
da moralidade (no nível das práticas). Parece inegável que na consciência
mundial emerge com força crescente uma sensibilidade ética em favor da
não-violência.
Também por razões práticas: frente à complexidade dos Estados e das
sociedades modernas, a violência não funciona mais. Aquela que foi outrora definida
como a "parteira da história" talvez não tenha outro destino, na
consciência ética das sociedades modernas, que o de tantas parteiras
tradicionais: a aposentadoria.
Fonte: https://we.riseup.net/assets/160463/1249581-Leon-Tolstoy-O-Reino-De-Deus-Esta-Em-Vos.pdf
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